Deixei claro que tinha um parceiro de longa data e minha rotina praticamente não mudara na quarentena, porque trabalho em casa há 15 anos e a gangue se formou na mesma época. Cheguei, inclusive, a criticar o estigma da solteirona entupida de gatos, defendendo que lidamos melhor com as personalidades complexas dos felinos e podemos escolher não casar mais com os trastes humanos.
Minha primeira surpresa, quando a matéria entrou no ar, foi ler um depoimento imenso em primeira pessoa, com palavras e expressões que não uso, porque a jornalista fez anotações livres, em vez de gravar e transcrever o relato, e botou tudo na minha boca — verbos repetidos à exaustão, ideias truncadas, vegetariana em vez de vegana, dona em vez de tutora.
Para não contradizer o título, "Loucas por gatos: como bichanos viraram antídoto para solidão no isolamento", meu status de casada desapareceu, assim como o comentário de não ter sentido tanto o impacto da quarentena. O título, aliás, foi alterado depois de publicado, como denuncia a url da página — "Melhor amigo da mulher: elas contam histórias de amor com seus gatos".
Tudo pelo clique: essa morte horrível do jornalismo. A repórter até demonstrou boa-vontade de corrigir os problemas apontados — embora, na terceira edição, tenha transformado Leo em vegano e reduzido aos peludos os múltiplos motivos da nossa mudança para Sorocaba. Mas continuava não sendo um depoimento meu. E a essência estava errada.
Os bigodes nos fazem companhia, sim. Uma companhia incrível! Mas a expectativa de que outro ser pode preencher nosso vazio é equivocada. Passado o susto inicial com o surto de covid, por exemplo, quando o povo saiu correndo para adotar animais de estimação, o abandono e os casos de maus-tratos aumentaram.
Associar os bichanos a gente doida, com dificuldade de relacionamento, também tira a chance de muitos deles ganharem um lar, por preconceito. E, o pior de tudo, é mentira. Nós somos diversas: solteiras, idosas, workaholics, lésbicas, ricas, casadas, jovens, com filhos, endividadas, heterossexuais, donas de casa, não binárias.
Levantei esse debate no grupo de apoiadores do Gatoca (conheçam nossa campanha!) e compartilho aqui alguns depoimentos. Bora apagar, de uma vez por todas, essa fogueira medieval?
Aline Fagundes
"Não sei de onde tiram esse negócio de que gato é bicho de mulher solitária, rs. Se fosse um animal subserviente, mas, pelo contrário, é um bicho que te manda ter semancol e se enxergar diariamente. 😂"
Fernanda Barreto
"Quando adotei os meus, já namorava há uns dois anos com meu marido. Amo cachorro também, mas não ia dar para ter em um apartamento pequeno, saindo às 5h30 e chegando quase às 20h. Aí, adotei mais um para fazer companhia ao primogênito."
Lorena da Fonseca
"Sou a humana da Jaguatirica e da Tapioca desde 2014. No início de 2015, comecei a namorar com meu marido e, desde o meio de 2016, moramos todos juntos. Fiz lar temporário até 2018, quando descobrimos que a Tapioca tem FeLV. Sim, eu recebo emoticons da louca dos gatos dos Simpsons. Mesmo tendo só duas gatas. Por outro lado, meu marido sempre recebeu elogios porque faz lar temporário. 'Ahhh que fofo!'. 😒 É bom que temos uma divisão: eu sou a favorita da Jagua e o Fábio é o favorito da Tapi. 🤍🖤"
Bárbara Santos
"Tenho 30 anos, sou ex-funcionária pública, atualmente trabalho como data engineer e sou mãe de gatos. Não digo tutora, porque tutor é aquele responsável. Eu sou mãe, eles nasceram do meu coração e temos um laço de adoção. São os únicos filhos que terei. Neste mês de março, a Bia questionou em nosso clubinho: por que ainda associam mulheres que preferem gatos a pessoas tristes e solitárias? Eu não sou solitária, muito menos triste. Ajudo uma rede de mulheres imensa, trabalho fora (agora em home office), fiz duas faculdades onde consegui amigos incríveis, que me acompanham desde então.
A escolha pela maternidade felina é apenas uma de muitas que eu, como mulher, feminista, pessoa ciente de seus privilégios, posso fazer. Também posso estudar, trabalhar, trocar de profissão (aquela 'dos sonhos' de muitos, com estabilidade), viajar, morar com meu namorado (que também ama gatos), ter amigos, curtir, e amar e ser mãe de gatos. Não ter filhos humanos é uma escolha empoderadora. Significa que posso decidir os rumos da minha vida. E ela não depende de casamento e filhos para ser feliz e repleta. Não serei a velha dos gatos. Serei a mulher que escolheu a companhia felina por amor. A velha dos gatos é a mulher livre, que merece ser olhada com mais carinho e menos estereótipos."
Adrina Barth
"Desde pequena, sempre tive um amor enorme pelos animais. Eu era daquela que achava cachorros/gatos/passarinhos na volta da escola e levava para casa. Meus pais ficavam loucos! Meu passeio favorito no centro da cidade? Visitar o Aviário São Paulo, com filhotes à venda — isso na década de 80, hoje sinto horror à venda de animais. Mas meus pais nunca me deixaram ter gatos, então só adulta é que pude, por iniciativa própria, adotar meus bichanos. Fui de zero a dez gatos em cinco anos, porque é difícil parar quando você começa. E sou muito grata por tê-los em minha vida. Essa companhia me fez ver o mundo de outra forma, com mais compaixão e percebendo as dores e tristezas dos que sofrem. Eles me fazem ser melhor. Fui mãe solo por muitos anos, mas há três tive a sorte de encontrar um companheiro que não gostava de gato e, em pouco tempo, também foi transformado por eles. Hoje formamos uma família feliz: dois humanos, dez bichanos e três galinhas."
Patrícia Sloi Urbano
"Tenho 55 anos e os gatos entraram na minha vida através do meu companheiro. Moramos juntos desde 2005, sem filhos humanos por opção — nunca senti vontade de ser mãe. Em 2010, ele trouxe uma gatinha para casa, uma frajolinha. Eu não gostava de gatos e não queria nenhum, até porque tínhamos um casal de chinchilas. Mas ela era tão pequena e frágil que deixei que ficasse e, em pouco tempo, me apaixonei. De lá para cá, essa paixão só aumentou. Hoje, temos seis gatos e cuido de duas colônias de animais de rua e de quatro bichanos semidomiciliados na rua em que minha mãe mora. Eles fizeram de mim uma pessoa melhor. Tornei-me vegana e conheci o verdadeiro amor incondicional. Os gatos entraram na minha vida por acaso, mas não porque eu fosse solitária, triste ou entediada. Não me imagino mais sem eles. Quero seguir em meu processo de envelhecimento e evolução bem-acompanhada."
Marina Kater
"Os gatos foram minha liberdade. Eu era hiperalérgica quando criança e meu pai não era muito fã deles. Só tinha contato com os bichanos da minha madrinha, que morava na Granja Viana e via esporadicamente, sempre em doses homeopáticas para não morrer entupida. Mas sempre soube que, um dia, teria um gato. A primeira coisa que fiz quando saí de casa foi adotar a Olívia, filhote tricolor de 45 dias de uma das gatas da minha madrinha. Curiosamente, minha alergia havia sumido. Olívia foi minha companheira por 16 anos. Me viu namorar, casar, ter três filhos e me divorciar. O primeiro grande amor da minha vida. ♥️ Meu ex até gostava de gatos, mas não teria se a escolha fosse dele. Nunca foi. Tive outra gata junto com a Olívia e fiz uma série de lares temporários nesse tempo. No ano em que me separei, minhas duas senhorinhas morreram e adotei dois meninos. Não fico mais sem gatos. Até tutora-de-coração eu sou, do gato do meu namorado."
Paula Melo
"Desde criança, eu adorava animais. E, de tanto insistirmos, meus pais adotaram uma gatinha. Eu tinha uns doze anos. Quando me casei, começamos com duas, depois veio a terceira — uma casa, para ser um lar, precisa de gatos! Me separei, fui morar em Brasília e levei as três. Tempos depois, casei de novo, não oficialmente, e as gatas logo se apegaram ao novo pai. Essas já viraram estrelinhas, mas outros foram aparecendo e chegamos a oito.
Os dois mais velhos, Kitty e Benjamim, eram das minhas enteadas. Nasceram no quintal delas, foram passar um tempo conosco e, como a mãe não gostava muito, ficaram. Aí, no meu trabalho, apareceu o Café. O Piano, na garagem do prédio. O Jojô, no veterinário — ele não tem parte de uma pata. Acabei me comovendo, então, com outra gata de patinha torta, a Jade. Preta surgiu na portaria do prédio. E, por fim, Mia atravessou uma avenida de seis pistas na minha frente e se escondeu embaixo do meu carro horas depois.
Isso foi um pouco antes de nos mudarmos para o Rio, com uma parte da turma viajando de avião, na cabine, e outra de carro, em um trajeto longo e cansativo. Também acho que os gatos provocaram uma mudança importante em mim: conheci diversas pessoas que atuam na causa animal, percebi o prazer que existe em se doar, notar o sofrimento dos outros, se importar. Trabalhando em casa na pandemia, praticamente sem sair, eles são fundamentais para nossa sanidade mental. É muito amor e diversão! E perrengues, claro. Mas a gente esquece só de olhar para as carinhas deles."
Aline Silpe
"Tenho 44 anos, três gatinhos, dois deles já idosos, e sou solteira por opção, embora não me sinta solitária. Sempre amei/cuidei de bichanos, desde pequena. Uma das minhas primeiras lembranças somos eu, aos 3 anos, e meu pai limpando os olhinhos remelentos dos filhotes da mamãe gata que ganhava as sobras das minhas refeições, no hotel em que nos hospedamos durante uma viagem de férias em Vila Velha (ES). Nossa casa foi lar de muitos peludos, alguns resgatados, outros que a 'adotavam' por encontrar nela um porto seguro. Curiosamente, só fui ter cachorros há pouco mais de dez anos, também resgatados, embora não me lembre dos meus pais proibindo quando era criança. Acho que tem mais relação com minha personalidade, que se identifica mais com o comportamento dos felinos.
Pode parecer individualista (e talvez seja), mas me vejo uma pessoa inteira, um ser humano que gosta de companhia, sem fazer disso uma muleta para sua existência. E os gatos são assim: independentes, que sabem valorizar um ambiente compartilhado harmonioso. Quantas e quantas histórias já vivenciei de ferais que viraram uns doces depois de um pouco de carinho, alimento e segurança? Não sei contabilizar o número de animais que já tive, até porque muitos foram 'hospedes' à procura de um lar. Mas considero todos fundamentais no meu crescimento como ser humano consciente de suas responsabilidades e no respeito à vida alheia, seja ela humana ou de quatro patas."
Renata Godoy
"Tenho 51 anos, cinco gatos e sou solteira. Com essas características, alguns conhecidos e muitos desconhecidos devem me ver como 'a velha louca dos gatos'. Tirando o 'velha', sou louca por gatos. Morei na zona leste de São Paulo, em um bairro com muitos bichanos soltos pela rua. O primeiro que cuidei foi o Nino. Era adolescente, nada sabia sobre castração e, um dia, ele desapareceu. Cresci, me formei, namorei, viajei, comecei a ganhar o bastante para me sustentar e me mudei. A partir daí, pude realmente adotar e ser responsável por alguns peludos. Os dois primeiros nasceram de uma gata que a mãe de uma amiga cuidava no interior. Tinham problemas neurológicos e ela sabia que comigo seriam bem-cuidados. Estão com 12 anos agora!
Depois, aos poucos, chegaram as meninas. Canela, para que a população felina tivesse uma representante feminina. Depois, Safira e Pérola, mãe e filha devolvidas pela 'tutora' depois de dois anos! Nunca entenderei gente que age assim com os animais. Safira e Canela devem ter uns 13 anos agora. Pérola faleceu de câncer, um dos períodos mais difíceis que passei como mãe de gato. E, recentemente, adotei a Rimpoche, que vivia em uma colônia de gatos de um cemitério em Santos. Ela é muito medrosa, mas está, aos poucos, se adaptando.
Os cinco são o xodó dos tios, eram o xodó do avô e são queridos pela cat sitter e pelos amigos humanos da mãe. Carinhosos, companheiros, falantes, brincalhões e mimados. Em todos esses anos, conheci muita gente legal, que ama os animais. E apoio o trabalho de pessoas e ONGs que lutam arduamente para proporcionar uma vida digna a esses seres vivos, algo que deveria ser responsabilidade de toda a sociedade. Louca dos gatos, não. Por gatos? Sempre!"
Tatiana Pagamisse
"Tenho 40 anos, uma gata e sou casada. Como solteira, morava em casa térrea com meus pais, irmãos e um cachorro. Papagaio, periquitos, outras aves, até coelhos e codornas habitaram nosso lar, mas nunca gatos. Nem por isso nutria algum tipo de antipatia pelos felinos. Ao contrário: tinha bastante curiosidade sobre como seria conviver com estas criaturinhas. Quando meu marido e eu nos casamos, viemos morar em um 'apertamento'. Por trabalhar no esquema home office, eu passava bastante tempo sozinha e, ao mesmo tempo, sentia falta da companhia e do amorzinho dos bichanos (sentimento egoísta este, reconheço). Também acreditava que poderia contribuir para a causa animal adotando.
Como o marido sempre foi 'cachorreiro', de início houve uma resistência sobre a escolha de adotar um gato. Foi só ele conhecer Bolota, porém, resgatinha idosa hospedada em Gatoca, que o jogo virou, não é mesmo? Bolota viveu seu restinho de vida em tranquilidade conosco. E, depois dela, veio Tampa, também resgatada — já há 9 anos aqui. Para contribuir ainda mais com a causa animal, abraçamos o veganismo. E seguimos felizes com nossas escolhas."
Em abril tem série nova! ❤️ Todo mês, o Gatoca publicará dicas e curiosidades da bíblia "O Encantador de Gatos", escrita pelos especialistas em comportamento Jackson Galaxy e Mikel Delgado, com fotos e vídeos da gangue para ilustrar. Se quiser ser avisado, é só assinar nosso boletim ou entrar no canal do Telegram.