Jujuba vomitou na Keka, que vomitou na Pimenta, que não tem mais força para vomitar em ninguém. Parece releitura do Drummond, mas foi mais um dia em Gatoca, iniciado antes do sol, das galinhas e até de o Intrú chegar da rua gritando pelo café da manhã.
Frio de endurecer os dedos e eu esfregando o almofadão, tentando desgrudar as gatas e superaquecendo o secador. Para repetir tudo de novo à tarde, no colchão que fica no escritório, só trocando as personagens.
Lembro do pessoal da ETE brincando, no longínquo 95, que eu não sabia mentir, porque matei o avô que depois virou avó só para faltar à aula. Mas a verdade é que perdi ambos na sequência, em uma releitura torta de Romeu e Julieta. E a singularidade se repetiu no ano passado, quando Pufosa morreu dois dias depois da Pipoca, estraçalhando a família Guda de vez.
Não deu muito tempo de sentir saudade, porque logo Chocolate adoeceu e agora alterno os cuidados entre a Pimenta e a Keka. A cada semana mais perto de encerrar esse ciclo iniciado sem rugas nem cabelos brancos, me pergunto: como ressignificar um luto de duas décadas?
Não tinha imagem melhor para representar a data do que esta foto do Intrú, metade luz, metade trevas. Às voltas com a doença renal da Pimenta e a gastrite da Keka, ambas de vida gasta, o frajola com patinhas de elefante tem salvo meus dias ― ora chegando da rua com aquelas teias de casarão de filme de terror na cabeça, ora invadindo nosso quarto todo desajeitado pelos quilos recém-adquiridos.
Antes que alguém me xingue pela guarda irresponsável, Intrú é um gato FeLV+ que acampa do lado de fora da porta de vidro aqui da lavanderia, enquanto não aparece sua família definitiva. E, quase duas décadas depois, uma criatura estranha que não escolhi vem ressignificar tudo de novo. ❤️
Ao longo dessa jornada, já colecionamos 1.818 posts, e-book, mutirão de castração, oficina com crianças, roda de conversa com adolescentes, canal no YouTube, websérie felina, loja colaborativa, newsletter, Gatonó, edital do Condeca com a prefeitura de Sorocaba — os links estão neste post.
E espero voltar no dia 10 de agosto com oito horas de sono dormidas para comemorar o aniversário oficial do Gatoca sem olheiras — "quase-aniversário" é quando você cria um blog e demora 42 dias para juntar coragem de escrever nele. 😂
Para não acharem, então, que se trata sempre do mesmo gato nos posts, fica a dica: Keka tem cavanhaque, Pips bigode, Intrú máscara e Jujuba é diferente. rs
Este texto em especial traz o colorido da Lucia Trindade e da Aline Silva, estreando no Gramado da Fama. Lucia acompanha o Gatoca há uma década, mora no Rio de Janeiro, trabalha com museus (sonho!) e batizou um dos peludos de Balão. A paulistana Aline faz pesquisas na área de química, tem quatro idosos e tirou Gordinha da crise com as dicas que aprendeu aqui sobre soro subcutâneo e alimentação úmida. Bem-vindas oficialmente, meninas!
Um aperto a distância também para Adrina Barth, Alice Gap, Itacira Ociama, Regina Haagen, Renata Godoy, Leonardo Eichinger, Irene Icimoto, Tati Pagamisse, Roberta Herrera, Vanessa Araújo, Dani Cavalcanti, Samanta Ebling, Bárbara Santos, Marina Kater, Sonia Oliveira, Marcelo Verdegay, Patrícia Urbano, Fernanda Leite Barreto...
... Bárbara Toledo, Solimar Grande, Aline Silpe, Lucia Mesquita, Michele Strohschein, Marilene Eichinger, Guiga Müller, Sérgio Amorim, Gatinhos da Família F., Luca Rischbieter, Rosana Rios, Regina Hein, Paula Melo, Paulo André Munhoz, Marianna Ulbrik, Cristina Rebouças, Lorena da Fonseca, Karine Eslabão, Michely Nishimura...
...Danilo, Klay Kopavnick, Glaucia Almeida, Ana Cris Rosa, Ana Hilda Costa, Lia Paim, Elisângela Dias, Ivoneide Rodrigues, Melissa Menegolo, Vanessa Almeida, Vivian Vano, Maria Beatriz Ribeiro, Elaigne Rodrigues, Simone Castro, Beatriz Terenzi, Viviane Silva, Regina Hansen, Arina Alba, July Grafe, Sandra Malacrida, Vera e Gabriela Fromme, que não deixam o projeto morrer! 🤗
(Tem um troco sobrando, gosta do nosso trabalho e quer se tornar apoiador também? Dá uma fuçada nas recompensas da campanha — aqui fiz um resumo das principais ações, on e offline, destes 16 anos e meio. ❤)
Por quanto tempo uma casa ainda pode ser considerada nova? E se antes mesmo de você mudar, a casa em questão, construída do zero, já colecionava problemas? Talvez, em 2025 eu troque o título para "4 anos de Araçoiaba da Serra". Ou não ― a ideia de novo faz a vida parecer menos velha, principalmente quando a gente lida com impotência e morte.
Sei que pareço um disco quebrado, mas a conjuntura não colabora, né? Nos últimos 365 dias, Pipoca e Pufosa ajudaram a superpopulacionar nosso cat sematary. E Chocolate e Keka andam flertando com o empreendimento. Ao contrário dos gatos, as plantas finalmente ganharam autonomia e paramos de apanhar do solo seco, das formigas vorazes, das pragas multicoloridas ― quem rouba nossas frutas agora são os saguizinhos.
Enfermaria ao ar livre
Duplinha do sachê
Contorcionista
Preciso contar também que, às vésperas de completar dois anos e sete meses, mais especificamente em 7 de outubro de 2023, instalamos a lendária porta do banheiro ― embora ela ainda continue sem batente de um dos lados.
E tentamos ter uma piscina inflável, que esvaziava sempre que chovia (longa história), depois bichou (desculpem pelo surto de dengue!) e acabou furando no limoeiro (que limão mesmo não quis saber de dar até o presente momento).
Este post-comemorativo não poderia excluir o frajola figura que decidiu morar em Gatoca, contra a vontade de Gatoca, e me rouba sorrisos úmidos nos dias difíceis com poses assim:
Em um misticismo exclusivo, os anos terminados em três marcam transformações profundas em mim. Foi em 2003 que precisei me dividir entre o trabalho e o hospital até dona Vera perder uma longa batalha contra o câncer, perto do Natal ― e que também tive de aprender a fazer arroz, lavar privada, cuidar dos irmãos mais novos, multiplicar dinheiro no supermercado.
Em 2013, deixei o casarão de uma vida inteira para caber com dez gatos, o Leo e, esporadicamente, as enteadas em um apertamento de 60 m2. Meu apertamento ― depois de uma reforma "faça você mesmo", apelidada de terapia. Uns meses antes, por causa das crises recorrentes de alergia e asma, já havia decidido parar com os resgates e redirecionar os esforços do Gatoca para a educação.
Se minha mãe estivesse viva, provavelmente confirmaria que em 1983 juntou coragem para se separar do alcoolismo do meu pai e nos mudamos para o prédio em que minha avó morreu antes de cumprir a promessa de sorvete toda a tarde, quando o shopping em frente ficasse pronto ― para voltar atrás pouco tempo depois. A mãe, não a avó.
E deve ter sido em 1993 que sofri um bullying persistente por nunca ter beijado na boca ― resolvi inventar um caso na viagem com as "amigas" à Caraguatatuba, que acabou desmascarado e só piorou tudo. Para dar uma ideia do impacto, o beijo de verdade tardou mais cinco anos ― e, por favor, não façam as contas.
Finalmente chegamos a 2023, assunto desta retrospectiva, com três gatas mortas em 15 semanas, a expectativa de um sabático ao final destas quase duas décadas felinas e um intruso estragando tudo. Guda partiu em março, com 17 anos, Pipoca em julho e Pufosa dois dias depois, ambas com 16.
A dinâmica da casa, acostumada a nove bichos preenchendo vazios e silêncios, mudou completamente ― ainda não acostumei a me referir à gangue no feminino. Sem a mãe e metade das irmãs, Jujuba virou uma gata carente e Keka deu para me acordar aos berros cada vez mais cedo ― 4h44 o recorde! Quem não mudou foi o Leo (amo essa foto!), parceiro de soro, de obra, de cova.
Comentei aqui no blog que envelhecer com os bigodes tem me feito enxergar o tempo de outra forma ― as adaptações demoram mais, o corpo não funciona do mesmo jeito, a gente precisa fazer um esforço ativo para não deixar a curiosidade morrer junto com o resto.
O blog perdeu o puxadinho no servidor de mais de uma década, passando justo o 1º de abril fora do ar. E ainda assistimos portão e telhado araçoiabanos voarem com o temporal de novembro ― que também nos deixou sem luz e água por três dias. Nos intervalos, porém, a gente comemorou.
Eu já contei aqui que não sou uma adulta natalina ― nem de rituais em geral. Gosto de marcar começos e encerramentos de ciclos, mas de um jeito que faça sentido para mim, não por imposição social. Na infância, inclusive, aproveitava o pacote completo do Natal, com pinheiro natural, presépio decorado, luzinhas na calçada, Papai Noel deixando rastro de brocal, uvas passas herdadas dos panetones alheios.
Depois deste 2023 desafiador, Leo e eu decidimos, então, ficar por aqui mesmo, em Araçoiaba, com lasanha de marmita e a companhia dos gatos sobreviventes ― de volta ao masculino porque Intrú fez questão de participar da ceia da tarde.
Pimenta foi a única que ganhou brinquedo, já que, 16 anos e 7 meses depois, ainda se diverte caçando bichos animados e inanimados. Batizei o ratinho de Topo Gigio, um sonho nunca realizado, pois a Bia criança queria uma versão que falasse e se mexesse sozinha, como a da televisão.
Já Keka não conseguiu aproveitar nem os croquetes nem o parquinho, porque perdeu quase 1 kg desde o ataque do Intrú ― como as irmãs, ela também passou dos 16 anos, avançada na insuficiência renal. Mas compensei comprando uma ração nova, ainda mais cara do que a anterior, pois o céu é o limite para essa gente. E o paladar seletivo da frajola aprovou!
E Intrú ficou com os de segunda mão, como todo irmão mais novo ― a caminha Leo improvisou por causa das noites frias. A ideia é ele acostumar com ela no seu cantinho favorito para depois a gente colocar em um lugar mais protegido.
No sachê especial a criatura nem tocou, preferindo a boa e velha Pet Delícia ― não sem antes me bater (story nos destaques do Instagram). Capacidade de lidar com a frustração: 2, cruzado de esquerda: 10. rs
Ainda rolou o Amigo Secreto de Talentos do Cluboca, nosso grupo de apoiadores, em que presenteei a Adrina com uma radionovela de O Gato e o Diabo, escrito por James Joyce ― foram três dias para gravar a narração (prefeitura asfaltado a rua com caminhões da Idade Média), incluir a trilha sonora e os barulhinhos todos, fotografar e tratar a imagem da Pips.
E da Vanessa ganhei esta ilustra com o Intrú, que ainda procura uma família para poder morar do outro lado da porta de vidro.
Também a versão digital do livro Relatos de um Gato Viajante, de Hiro Arikawa, um vídeo de bigodices e esta mensagem apertável:
Meus presentes são a razão disso aqui existir (de novo Bia!). Separei uma imagem que me fez pensar em você com o Intrú e aquele livro que falei: Relatos de um Gato Viajante. Não só porque os seus viajaram um bocado contigo (SBC, Sorocaba, Araçoiaba) como também porque tanto a vida quanto a passagem para o outro lado são uma viagem, e me conforta pensar que, de vez em quando, tanto nós quanto nossos amados gatinhos viajamos cruzando a fronteira entre os planos para matar a saudade. ❤️
Espero que o festerê por aí tenha tido a cara de vocês. A retrospectiva vai ficar para o ano que vem, quando todo mundo voltar à rotina de pagador de boletos, para compensar a trabalheira. :)
Chegou aos ouvidos de Chicão que eu pretendia me aposentar em breve, gastar o dinheiro da ração com drinks de guarda-chuvinha e só curtir gatos digitais, que não me matassem de alergia. Mas ele achou que quase duas décadas de serviços prestados não eram suficientes e mandou um frajola que decidiu bater nas nossas gatas, morar no nosso terreno (SP) e beber a água suja do nosso balde.
Suspeito que seja o mesmo filhote que não consegui resgatar pouco depois de mudarmos para cá, sobrecarregada com a obra inacabada e os bigodes morrendo, só que endurecido pelas porradas da vida. No dia 27 do mês passado, enquanto ele nos observava faxinar a sala, para a indignação das meninas, resolvi tentar uma aproximação.
Levei Pet Delícia, que o pequeno devorou em segundos, e arrisquei um carinho tímido, entre os machucados de briga. Na segunda refeição, já ganhei esfregadinhas na perna e o primeiro ataque, assustado pelo balde que ele mesmo derrubou ― dá para ver no vídeo que pula de bracinhos abertos, as garras furando a parte de trás das minhas pernas e os dentes batendo na frente.
Com esse mínimo de intimidade, o cara de pau se sentiu à vontade para invadir nosso quarto (aquele vetado aos moradores por causa da alergia a gatos) e marcar território no banheiro. No segundo ataque, que vitimou meu peito, eu nem havia encostado nele, mas li que a agressividade redirecionada pode ocorrer horas depois do estresse e tinha rolado um estapeamento pelo alambrado do gatil.
No terceiro ataque, que personalizou minha mão direita, resolvi entrar com a homeopatia. E já notei diferença para a patada sem unha do quarto e a mordida do sexto, que não tiraram sangue ― receosa de colocar a ração com ele alternando ansioso entre minha mão e o pote no chão, devo ter emulado justamente uma presa. E vocês não imaginam como ele caça!
Quando tentei respeitar a quantidade de alimentação recomendada pela embalagem, o self-made cat pegou um lagarto in natura, que custou todas as minhas habilidades de negociação de reféns. Agora, a criatura mora embaixo do nosso contêiner (Leo diz que me acompanha entre os cômodos pela voz) e faz cinco refeições por dia ― acorda a gente em estéreo, miando fora e Keka dentro, pontualmente às 6h30!
Só que ainda vai para a rua. Voltou mancando no fim de semana, com o olho esquerdo mais fechado. E, do mesmo jeito que entortou, desentortou. Não faço ideia se entrará na caixa de transporte com petiscos, mas pretendo castrá-lo na segunda-feira, quando completa um mês de comida sem miséria e tentativa de socialização.
Leitores de exatas devem ter sentido falta do quinto ataque, né? Foi no domingo em que resolvi ler no jardim, a uma distância segura, para ele se acostumar. Acontece que antes de a bunda chegar no concreto, o carente já estava se esfregando em todas as partes alcançáveis do meu corpo e deitando coladinho e acertando meu peito e meu rosto.
Ele é um gato assustado, mas parece que vai gostar de ter uma família. Ronrona de boca aberta igualzinho o Mercv, tenta entrar em casa a qualquer oportunidade e ostenta o nariz rosinha mais apertável! Vou precisar de toda a ajuda do mundo com a divulgação para encontrar tutores experientes durante o verão ― as madrugadas de inverno aqui são bem frias.
Alice Gap amadrinhou o frajola bancando as primeiras despesas ❤, que incluem antipulgas + vermífugo para a diarreia, diariamente comunicada na soleira. Ajuda com as próximas (veterinário, castração, vacinas, teste FIV/FeLV) também é bem-vinda ― chave pix: doacoes@gatoca.com.br.
Não, eu não posso ficar com ele porque as meninas, idosas e renais, merecem um fim de vida tranquilo. Chocolate passou quase 17 anos atormentada pela Guda (ainda que ela não fizesse de propósito) e só agora está aproveitando outros espaços da casa. Keka emagreceu meio quilo desde o ataque e fica o tempo todo procurando o intruso nas janelas.
Pimenta conseguiu fugir quando bobeamos com a porta e se atracou feio com ele ― separei aos urros. Nem consigo imaginar se fosse a Jujuba! Nosso gatil sem teto também não segura um bichano jovem, cheio de energia. E ainda sonho com um sabático depois do caos.
Se Gatoca fosse um seriado, esta temporada abriria com a imagem de um portão de garagem arrancado, intercalaria flashes de um gato com a cabeça machucada, árvores caídas, um computador quebrado e mais um aniversário de banheiro sem porta, tudo ao som de uma música frenética, para retroceder até o dia em que decidi trocar o gabinete do PC.
O motivo já contei aqui. Mas nem vocês nem eu sabíamos a reação em cadeia que isso geraria. O efeito mais direto foi trabalhar dez dias com um notebook improvisado, subtraindo da conta bancária a placa-mãe queimada, mais processador e duas memórias, já que a placa nova não funcionaria com peças de 12 anos, que definitivamente não são vinhos.
O indireto foi ver a vida atrasando na velocidade da luz para empacar de vez com o temporal que nos deixou sem luz por 53 horas ― e também sem água e internet, incluindo o 4G. Eu corri muito para escrever o post da semana, as chamadas das redes sociais e o boletim, que já estava atrasado. Só não publiquei antes por causa do feriado. Não ter conseguido divulgar na sexta fará com que os algoritmos nos penalizem, tanto no alcance das redes quanto na indexação do Google.
Os ventos de 104 km/h ainda arrancaram nosso portão, que rasgou o depósito de jardim, e destalharam a oficina do Leo feito papel crepom. A gente nem terminou a casa ― de contêiner, no meio do mato, depois de um golpe que custou bem mais do que dinheiro. Só depois de dois anos e sete meses instalamos a lendária porta no banheiro ― fiz até vídeo de comemoração! rs
E, no meio desse caos, Chicão resolveu mandar o intruso, que tem um bom coração, mas já me atacou três vezes ― prometo um post só sobre ele. Estou cansada, sabem? Esse é o momento da jornada do herói em que vocês se juntam aos meus 48,5 quilos! :)
Quem gosta dos textos e pode apoiar financeiramente acesse a campanha do Catarse, que oferece como uma das recompensas o grupo mais acolhedor da internet ― Gatoca é projeto de vida, mas também meu trabalho, pagador de boletos importantes. Para as despesas com o intruso, segue a chave pix: doacoes@gatoca.com.br. E também ajuda muito curtir, comentar e compartilhar os posts nas redes sociais.
O ataque que Keka sofreu em agosto foi tão traumatizante que nem ela nem eu recuperamos o peso perdido. E como o intruso entrou no gatil, sem telhado porque o alambrado alto já dá conta da nossa gangue idosa, a pequena nunca mais conseguiu relaxar nos passeios — espia da sala se a barra está limpa, faz xixi no gramado e volta correndo, rosna para qualquer coisa que se aproxime durante o percurso, incluindo as irmãs.
E o cara de pau segue rondando! No dia da faxina, ignorou dois humanos descabelados e um aspirador de pó para espiar, com o focinho praticamente grudado na porta de vidro, o que tinha de interessante dentro de casa — por causa justamente dos humanos descabelados e do aspirador de pó, as gatas estavam fora do campo de visão.
Ao contrário dos serial killers clássicos, porém, que levam troféus de suas vítimas, o frajola mascarado nos presenteia, a cada visita, com o ambicioso projeto de marcar 1 mil m² de terreno, passando desaforadamente pelos pneus do meu carro, o portãozinho da entrada, as lavandas do Leo, o castelinho da caixa d’água.
Há 18 anos, eu não gostava de gato — nem de cachorro, nem de planta, nem de nada que demandasse mais dor de cabeça do que já tinha. Recusei a sugestão do então namorado de adotar um dos filhotes acolhidos pela avó, na intenção de tornar um luto mais leve, mas Mercv, como bom mentor, esperou pacientemente pelo almoço de domingo que mudaria tudo.
Na travessia para casa, 39 dias depois, não fazia ideia de que aquela criaturinha, prestes a quebrar na próxima lombada, colocaria em teste todo um jeito de ver e estar no mundo, trazendo novos relacionamentos, trabalhos, um projeto de vida. Quase duas décadas e, mesmo assim, não estava preparada para me despedir.
Na nossa jornada do herói, ainda não alcancei a ressurreição. Mas você ia ficar orgulhoso de saber que tomei coragem de trocar o computador comprado há 12 anos, já usado, do irmão. Eu, que detesto mudanças! Ok, não me restou muita escolha porque a placa-mãe queimou na transferência para o gabinete novo, com filtros, justamente para evitar que o acúmulo de pelos queimasse a placa-mãe.
Só que podia ter me limitado a praguejar e gastei apenas uma semana — primeiro com a assistência técnica, que demorou três dias para constatar que não haveria conserto, depois com a descoberta de que as memórias e o processador antigos não funcionariam na placa-mãe moderna e, finalmente, com o marketplace que não aceitava nosso CEP genérico de cidade pequena no cadastro.
Escrevo este post em um notebook improvisado, sem editor de imagem, mas nos próximos talvez me anime até a arriscar uns vídeos. Já pensou virar TikToker? Acho que nem toda a suspensão de descrença daria conta. rs
Foi quando compartilharam esta ilustração no Instagram, mês passado, que decidi tirar do papel o que sem querer acabou virando um projeto de longo prazo.
E não poderia escolher melhor modelo do que nossa performer de soneca.
E o método dele é não ter método. Primeiro, decapitou a cabeça do adesivo de gatinho, comprado em Sorocaba para esconder as manchas de umidade que tentaram esconder da gente antes, em uma reforma-maquiagem — e acabei ficando com dó de gastar na casa alugada.
Recolada a pobre cabeça com a ajuda de uma tampinha de Pet Delícia, dois palitos de dente e cotonetes para o acabamento, o felino antidecoração voltou à cena do crime para levar a orelha esquerda como troféu.
E esperou o fim de semana para enviar bigodes mastigados à imprensa, sendo que todo mundo sabe que nesses dias jornalista freelancer que mora no interior está lutando com plantas, de computador desligado.