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18.5.22

Saudade

Do alto da minha arrogância, acreditei que era só dar água na seringa que você viveria para sempre — não me passou pela cabeça que existiam outras mortes de gato, que não a do Simba e da Clara. E talvez eu tenha subestimado a falta que ela te faz, né, Mercv?

Você, a criatura mais tibetana que já passou pela Terra, me esperou recomeçar. Nove meses, depois dos nove meses do parto ao contrário — essa parece ser a nova marcação de tempo por aqui. Eu não estava pronta. Mas também não estaria se você partisse aos 30 anos, como costumava brincar.

16 e meio: tanto em tão pouco.

Sim, eu quis desistir porque você começava a diarreia na caixa de areia e saía andando sem terminar, sujando tudo. Não entendia nada de bicho. Só que, quando o veterinário disse que sua chance de sobreviver era pequena, nem 50 dias já com anemia, infecção e virose, eu chorei.

Na frente de um estranho, por uma bolota de bigodes de que acha que não gostava. E decidi te segurar nas garras — além de acabar com o estoque de Gatorade de limão, seu favorito.

O que não me impedia de ficar brava quando você mordia meu dedão embaixo da coberta ou escalava minhas pernas com as unhas, porque desconhecia o próprio poder letal. Entendi só depois que o combo precoce de doenças te roubou a oportunidade de se calibrar na lutinha com os irmãos.

Essa foi a vantagem que Eduardo usou para me convencer a te adotar, lembra? "Ele não mia, não brinca, não come, você nem vai perceber que ele existe". E logo a Clara me pescou no pet shop, te mordeu de volta e a paz passou a reinar — fora do quarto, porque, injustiça das bravas, me descobri alérgica a gatos.

Você foi, de longe, minha melhor escolha. Tentaram me empurrar os filhotes que cresceriam de olhos azuis, um dos cinzas com branco, o mais peludinho. Mas eu sabia que era você — o frajola comum, com a eterna secreção no olho esquerdo e o pelo caspento (que resolveu ficar macio e brilhante, misteriosamente, no final). Não tem explicação, não racional.

E com você eu aprendi a amar também cachorro, passarinho, rato kamikaze, pomba porcalhona. A resgatar, depois a doar — não sem antes formar nossa gangue. A dividir o Gatoca com o mundo. A estender esse amor aos porcos, vacas, galinhas — e ler rótulo minúsculo de embalagem.

A querer mudar o planeta.

Agora, preciso aprender a continuar sem você — e seu cheirinho de roupa passada, o salto alto ecoando pela casa, as caçadas de ração, o colo roubado no meio da ioga, "mãããããããe" perfeitamente miado do outro lado das portas fechadas (isso quando você não decidia abri-las no pulo), a parceria no mamão do café da manhã (porque descobri que não podia te dar iogurte e sorvete napolitano), sua paixão por água, fingindo que bebia só para molhar o cabelo.

Naquele 2 de dezembro de 2005, te carreguei sem jeito no carro balançando, com medo de quebrar. Uma menina de 25 anos. Aos 42, sou eu a quebrada.

Se não existir nada além daqui, no nosso terreno você está ao lado da Clara — lugar em que você mesmo escolheu descansar no último passeio, já cambaleante. E porque Leo pegou a enxada há pouco, com a sensação térmica de 9ºC — você partiu no dia mais frio do ano e o termômetro não precisava concordar.

Como prometido, segurei sua mão por intermináveis cinco horas. E você retribuiu com um pãozinho timidamente amassado, o presente mais incrível que uma mãe poderia ganhar. Não existirá outro Mercvrivs.

Vem me visitar, de vez em quando? Eu sou boa de sonho.



*

Não poderia deixar de agradecer à Guda, que não era a Clara, mas ficou grudadinha com o Mercv até o fim. Ao Leo, da ajuda prática com o soro e os almoços que eu mal conseguia comer ao acolhimento em abraços silenciosos. Ao Edu, que cuidou do pequeno nos últimos dois anos, durante as madrugadas e finais de semana. À Maru, por me apresentar à homeopatia e às seringadas de água, e me acompanhar na despedida. Ao Eduardo, por ter insistido para eu abrir a janela e deixar o sol entrar.

13.5.22

17 anos depois, encarei o teste de FIV e FeLV!

Em 2005, quando adotei o Mercvrivs (e depois a Guda), não era comum testar os gatos para aids (FIV) e leucemia (FeLV) felinas, doenças virais que afetam o sistema imunológico. Na verdade, eu nem sabia que elas existiam. E, como não misturava os animais resgatados, segui na ignorância.


Até 2016, quando Simba teve uma evolução renal bizarra, que fez a veterinária suspeitar de FeLV, e os hemogramas de seis bigodes acusaram leucócitos baixos. Cheguei a cogitar um novo exame, em laboratório especial para minimizar o estresse, que também afeta os leucócitos, mas desisti. Um diagnóstico positivo me derrubaria e não faria diferença no tratamento.

O engraçado é que, nestes seis anos, acabei acostumando com a ideia, mesmo sem a confirmação — principalmente depois do carcinoma da Clara e do rodízio de doencinhas da gangue. Testar virou, então, uma estratégia para incentivar mais gente a acolher felvinhos, mostrando que eles podem ter vidas incríveis.

E a oportunidade veio com a ida ao laboratório da dupla, no último sábado, para investigar a recusa em comer. Testei só o Mercv porque uma enfermidade transmitida por lambida e compartilhamento de potinhos e caixas de areia dificilmente contaminaria apenas um bicho, tantos anos depois — e porque não custa barato.

O vet indicou o método Elisa, que identifica a reação do organismo ao vírus, com uma margem de acerto de até 99,2%, dependendo da especificidade (um parâmetro estatístico) — enquanto o PCR, para dar positivo, precisa que o vírus, ou parte dele, esteja presente na amostra de sangue coletada.

E o resultado, acreditem, foi negativo, tanto para FeLV quanto para FIV!


Para ampliar, cliquem na imagem

Os pequenos podem ter tido contado com a doença e eliminado sozinhos — Catrina, resgatada no mesmo 2016, nós sabemos que negativou. Mas fica o apelo de qualquer forma: deem uma chance a um peludo que provavelmente morrerá no abrigo, sem saber o que é uma família.

Ele precisará dos mesmos cuidados que quem ama dá a seus bichos: uma rotina sem estresse, comida de qualidade e acompanhamento veterinário. ❤️

12.5.22

Doença renal em gatos: o milagre da água na seringa!

Como se a rotina já não estivesse complicada com oito gatos idosos, 50 mudas de planta e a batalha dos boletos, Mercv e Guda desistiram de comer ao mesmo tempo — eu comentei sobre o emagrecimento silencioso dele e as inalações dela. No sábado, então, nós pegamos a estrada até Sorocaba, onde os bigodes fizeram ultrassom, hemograma e função renal.


Mercv apresentou alterações no fígado, baço e pâncreas. Mas os rins, que eram minha preocupação, não estão ruins para um senhor de 16 e meio, renal há seis. E a creatinina até baixou, em relação a 2018: de 2,2 mg/dL para 1,90 mg/dL — rins saudáveis devem mantê-la inferior a 1,8 mg/dL.


Os da Guda estão ainda melhores, apesar dos cristais de outros carnavais e de a creatinina ter aumentado um tico: de 1,73 mg/dL para 2,20 mg/dL. No pacote dela, tem também cistite, responsável pelo sangue na urina, e gases, provavelmente causados por estresse — que muda as bactérias da região.


Se nada disso for responsável pelo apetite prejudicado dos peludos, a culpa deve ser da ureia mais alta, que provoca enjoo. E preciso confessar que ambos possuem linfonodos inchados na barriga, mais um indício de FeLV, o diagnóstico de que fujo desde a morte do Simba. Dessa vez, porém, autorizei o teste — o resultado sai amanhã.

"E as seringadas de água?", vocês devem estar se perguntando. Oras, elas funcionam, visto que os rins são a melhor coisa desses exames, rs. É que gato não foi feito para comer ração seca — na natureza, eles caçam animais menores, com cerca 70% de líquido em seus corpos, e justamente por isso não têm o costume de beber água.

Em tempos de crise, se não puderem comprar sachê, patê ou latinha, água na seringa opera milagres! Eu distribuo em três rodadas de 20 ml (manhã, tarde e noite), como reforço da hidratação — lembrando que 20 ml é a quantidade que cabe confortavelmente no estômago deles e precisa esperar 40 minutos para a digestão.

Nos links abaixo, tem dicas para facilitar o processo, desde como dar líquido na seringa até modelo de dosador oral que goteja — e outras informações importantes sobre o pesadelo dos gateiros. Prevenção simples e grátis!


:: Doença renal, pelo maior especialista em gatos do Brasil
:: 7 dicas que podem salvar seu amigo
:: Diagnóstico renal não significa sentença de morte
:: Sobrevida de 11 anos (e contando)!
:: 9 sinais de doença que a gente não percebe
:: Teste: seu peludo sente dor? Descubra pela cara!
:: Como identificar mal-estar sem sintomas
:: O difícil equilíbrio ao cuidar de gatos
:: Pesando bichanos com precisão
:: Como estimular a beber água
:: A importância de ter potes variados
:: Gatos sentem o sabor da água
:: O melhor bebedouro para o verão!
:: 13 macetes para dar líquidos na seringa
:: A seringa (quase) perfeita
:: Seringa que goteja para cuidar de gato doente
:: Soro subcutâneo: dicas e por que vale o esforço
:: Soro fisiológico, ringer ou ringer com lactato?
:: O desafio da alimentação natural
:: Quando a alimentação natural não dá certo
:: Ração úmida mais barata para gato renal
:: Seu pet não come ração úmida (patê, sachê, latinha)?
:: Como ensinar o bichano a amar ração úmida natural
:: Ração em molho: nós testamos!
:: Alimentação de emergência para animal desidratado
:: Calculadora de ração felina, seca e úmida
:: Cuidado com alimentação forçada!
:: Como deixar o patê lisinho (para seringa!)
:: Suporte para comedouro pode cessar vômitos
:: Diarreia em gatos: o que fazer?
:: Quando e como usar fralda
:: Gastrite causada por problemas renais
:: Luto: gatos sentem a morte do amigo? O que fazer?

6.5.22

Aniversariante do mês – maio de 2022

A ideia era publicar o post da inalação da Guda ontem e hoje já dar início aos festejos de seus 15 anos em Gatoca. Mas o inferno astral da pequena, pelo jeito, vai durar até o último minuto. E amanhã, data oficial da adoção*, ela comemorará esticada na maca do ultrassom, depois de 35 minutos de viagem de carro e antes da agulhada do exame de sangue.

Guda está um trapo.


Aos problemas respiratórios se juntaram o sangue na urina e um estômago que não parece mais a fim de digerir a comida.


Espero que não seja o meu inferno astral, porque para janeiro ainda falta muito. 😂

*Novelinha: conheça a história da Guda

Outros aniversários: 2021 | 2020 | 2019 | 2018 | 2017 | 2016 | 2015 | 2014 | 2013 | 2012 | 2011 | 2010 | 2009 | 2008

5.5.22

Como fazer inalação em gato

Tudo começou com a secreção caramelo brilhando no olho esquerdo. Depois, notei um barulhinho no nariz, daqueles que a gente precisa desligar o bebedouro elétrico para ouvir melhor. Aí vieram os espirros aleatórios e engasgos com o catarro. E a comida foi sobrando cada vez mais no pote. Ainda não sabemos o que a Guda, na alimentação forçada há seis dias, tem.

Mas o veterinário sugeriu amenizar o mal-estar com inalações. Eu, asmática experiente, porém novata com o procedimento em felinos, anotei as dicas para compartilhar com vocês. A estratégia mais simples é fechar o peludo no banheiro enquanto a gente toma aquele banho-sauna. Só que tive de ir na advanced mesmo, porque eles não entram no nosso quarto — gateira alérgica a gatos, conhecem?


Prendi, então, a máscara de criança do kit dentro da caixa de transporte dos bigodes, usando um araminho de pão de forma, coloquei um fundo de soro fisiológico no copinho do inalador, sem medicação, e levei a engenhoca para o sofá da sala, onde Guda tomava sol. Se fosse qualquer uma das Gudinhas, escreveria um parágrafo à parte com dicas de como enfiar a criatura na caixa. Mas a barriguda entrou ronronando.


A toalha serve para o vapor ficar concentrado, sem necessidade de colocar a máscara no animal. E a duração da inalação pode variar entre 10 e 15 minutos. Confesso, porém, que só respeitei esse tempo (13 minutos, precisamente), da primeira vez, porque nas seguintes ela se estressou e começou a morder o cano — que eu deveria ter passado pelas gradinhas laterais.




E dei uma furada na blindagem abrindo a porta para fazer um carinho apaziguador. rs