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4.10.23

Gata do tempo e o tempo do relógio

Abro este post com um arco-íris de Pimenta para contar que...


...trombei com esta imagem na internet e guardei para recriá-la com os bigodes em 4 de janeiro de 2017!


Nos quase sete anos que dividem planejamento de publicação, esmagaram-se duas mudanças de casa, três cidades (São Bernardo, Sorocaba e Araçoiaba), uma obra com pandemia e desgoverno, cinco gatos mortos (Clara, Mercv, Guda, Pipoca, Pufosa) — e outras intensidades que meu senso de autopreservação provavelmente enfiou nas samambaias.

Foi quando compartilharam esta ilustração no Instagram, mês passado, que decidi tirar do papel o que sem querer acabou virando um projeto de longo prazo.


E não poderia escolher melhor modelo do que nossa performer de soneca.


GATA DO TEMPO

Chuvoso


Encoberto


Nublado


Parcialmente nublado


Ensolarado


Aquecimento global


Está liberado imprimir e colar na geladeira! 😂

21.7.23

Silêncio no silêncio

Eu moro numa rua em que praticamente não passa gente, sem vizinhos a olho nu, cujo comércio mais próximo fica a 7 minutos de carro. E descobri que a casa podia se tornar ainda mais quieta com a morte tripla da família Guda, em menos de quatro meses.

A dinâmica mudou completamente: 16 anos de miados e cores, que enchiam os almofadões e se espalhavam pelos cômodos, resumidos a três gatas PB e uma agregada — pensem que Gatoca já teve simultaneamente, além da gangue de dez, nove temporários, mais dois cachorros!

Em todo o canto falta e a cada luto se somam os anteriores.



9.7.23

Saudade (sim, mais uma)

Eu guardo uma coleção de fotos suas esmagando o Simba, a Clara, o Mercv e a Guda em espaços onde, teoricamente, caberia apenas um gato. Você só tinha tamanho, Pufosa — e patas de leoa! Suspeitava que perder a mãe, último porto seguro, seria um grande baque. Mas não te imaginava partir menos de quatro meses depois e apenas dois dias na sequência da Pipoca.


Há 16 anos, vocês também chegaram mudando tudo. E de tutora de bigodes em quantidade normal (quatro, meu número da sorte) virei protetora de dez, ainda imaginando que conseguiria doar, se não a golpista da barriga, ao menos a ninhada. Como cansei de desabafar aqui, porém, quem separa uma família que segue mamando com 2 anos? Você, inclusive, foi a mais persistente.




E, por mais que tenha me esforçado para compensar as ausências, não podia lamber sua cabeça — sou alérgica a gatos, né? Embora neste final, hei de confessar, afundei a cara no seu pelo fininho e macio (surpreendentemente cheiroso!) mais de uma vez, enquanto chorava. Por causa dele, aliás, você é Pufosa — inicialmente Bufosa, até a gente descobrir que se tratava de "arma de fogo, pistola, berrante". rs


Não que você não berrasse, mas só na hora das guloseimas. Bastava ouvir o barulho da latinha abrindo de manhã ou do sachê rasgando nos fins de semana, que aparatava na cozinha, atropelando os irmãos. E continuou vindo mesmo doente, sem conseguir comer quase nada. E, quando andar ficou mais difícil, me encarava com os farolões azuis, de qualquer lugar da casa, esperando ansiosa pelo potinho.






Só você ganhou sachê batido em todas as seringadas dos últimos dias, com sabores variando. Nem parecia a criatura de gosto duvidoso que adorava recomer vômito (o próprio e os alheios), em um processo apelidado de micro-ondas, pelo aquecimento natural — se eu soubesse que, exclusivamente na ração úmida, você não vomitaria mais, teria nos poupado todo o estresse com o megaesôfago, o chiclete de dente, a gastrite. Me desculpa?

Talvez, você também aproveitasse outras coisas do gatil, além da grama que crescia no meio da cinerária, perigosamente mais saborosa. Engraçado que só você não quis se isolar no jardim nessa fase. Preferiu, sim, ficar sem as irmãs no escritório, mas acho que era porque o colchão, herdado com o sofá (que você amou) do cantinho novo, acomodava melhor sua artrose.




Ontem, a gente leu juntas e trocou carinhos, cada uma no seu estilo. Na hora de dormir, vesti a fraldinha, porque o banheiro havia ficado longe demais, mesmo sem sair do lugar. Ainda acordei às 4h14 para um chamego extra — fraldinha seca, patê para o estômago não doer, mais carinho. Você ronronou e gastou o miado economizado há dois dias, agora sei que em despedida.


Leo te pegou mais uma vez, três horas depois, em um sono tranquilo, enroladinha. Acordada por um pesadelo com o Simba e os gritos da Keka na porta do quarto, só cheguei a tempo de te botar no colo e repetir, grogue de sono, que estava ali. Bon vivant, claro que você morreria no domingo. O primeiro em que não pediu sachê.

7.7.23

Saudade

Atualizado em 8 de julho de 2023, às 13h30

Quando você reverteu um derrame pleural sem punção, às vésperas dos 16 anos e depois de uma quase-morte por micoplasmose, outra por colite, mais 11 anos driblando a doença renal, eu achei que enterraria seus nove irmãos — biológicos e agregados. Pufosa, inclusive, é a gata dos cuidados da vez.


Mas na segunda-feira o rangido voltou no ronrom, na terça seu corpinho já balançava com o esforço da respiração, na quarta você trocou o colo pelo jardim do gatil (que amava) e ontem começou andando devagar pelo catnip e terminou prostrada nos almofadões da sala. Foi muito rápido, Pipoca!


Eu coloquei a fraldinha, para garantir, fiz um último vídeo das Gudinhas juntas e pedi que me chamasse se precisasse de qualquer coisa, porque Chicão me acordaria — no quarto estranho pela alergia a gatos, você provavelmente se angustiaria, como aconteceu com a Guda.


Despertei pela primeira vez às 3h20, como nas outras madrugadas, só que apaguei de novo de exaustão. Às 4h10, te recolhi do chão, com a fraldinha arremessada longe — briosa como os Levischi, você ainda conseguiu usar o banheiro. Esquentei o patê e dei na seringa para a Pufosinha, depois para você, interrompida por duas respirações fortes, aquelas tristes conhecidas.

Não deu tempo de nada. Nem uma gota de xixi fora nem vômito ou diarreia, mucosas coradas porque eu monitorava com mais frequência do que corretor da Bolsa de Valores. Ao mínimo tom de azul, cederia à eutanásia — o veterinário local estava avisado. Tenho asma, levei minha mãe ao hospital pela última vez justamente com os pulmões afogados e não assistiria você morrer sufocando.

Quatro dos dias mais longos de que me lembro.

Dá para acreditar que você passou cinco anos fugindo de mim? Quer dizer, bem no começo, quando ainda era nosso ursinho Pimpão (sim, eu passei essa vergonha na castração), você até gostava das pernas magrelas, equivalentes a sentar no taco. Mas a família Guda, nascida em casa, acabou se fechando para humanos e só ganhei uma segunda chance quando suas patinhas não conseguiram mais fugir.




Naquele 2012 do primeiro susto, Leo me deu de presente um Daruma e, pintando o olho esquerdo, pedi que você sobrevivesse — os tropeços da jornada, inclusive, foram compartilhados, rs. Um privilégio poder completar a pintura nesta manhã — escolhi sua cor, porque já havia preto demais.




P.S.: Volto a este post um pouco menos esgotada do que ontem, digitando no celular com uma mão enquanto faço cafuné na Pufosa com a outra, porque faltou agradecer os momentos incríveis que tivemos juntas. Como você miava pedindo carinho e saía correndinho até sentir que era seguro relaxar e curtir. Sempre me acompanhava durante o almoço, em cima ou embaixo da cadeira, do seu jeito, no seu tempo.

E orava nos potes de água, escolhendo o vaso do finado bebedouro elétrico como seu favorito. Amava libélulas, principalmente pelo barulho, e caçou até um passarinho — o que me despertou emoções conflitantes, confesso. O coração partido da sua pelagem desbotou na velhice, mas, ironicamente, nunca esteve tão vibrante.

23.3.23

Saudade

Você foi o golpe da barriga mais bem-sucedido do universo felino. Quando dona Jane, a vizinha que passou anos odiando nossa infância (e seus barulhos), tocou a campainha de casa, em maio de 2007, eu não sabia disso. Achei, na verdade, que viria reclamação. Eis que você apareceu ostentando a pança que viraria apelido e daria forma ao Gatoca — porque contar a história de quatro gatos não tem o mesmo apelo de uma dezena, né?

Preciso confessar, aliás, que pretendia doar todo mundo — quem consegue cuidar de dez bichos? Depois, só a ninhada. E aqui entra a engenhosidade do golpe: você fez as meninas mamarem até os 2 anos! Aos 6 meses, vamos combinar, a situação já era ridícula. Pimenta nem coube!


E toda noite, pontualmente às 21h, você roubava um ímã do meu mural de fotos, fazia um miado engraçado e as cinco vinham jogar hockey. Contei essa história na Folha de S.Paulo, lembra? Uma sexta-feira em que o blog superou os acessos acumulados desde a criação, seis meses antes.


Só um monstro separaria essa família — que seu coração, tão grande quanto os bigodes, compartilhou gentilmente conosco.


Como minha mãe morreu muito cedo e a gente não se toca da importância do que está vivendo enquanto se está vivendo, foi você quem se tornou meu exemplo de maternidade. Mesmo quando as Gudinhas já não queriam mais ficar tão grudinhas, você apoiou — do seu jeito, no tempo delas.

E me fazia pensar quem zelaria por ti no final — Simba teve Clara, Clara teve Mercv, Mercv teve você. A resposta refletia no espelho. Mas ainda não estou pronta para terminar esta despedida.

Quero falar antes de como você recebia todas as visitas com esfregadas, personalidade oposta à das filhotas ariscas, e tentou sem sucesso ser amiga da Chocolate — que inventou o conceito de arqui-inimigo platônico. Da sua obsessão por pão francês. Dos carinhos de pé que amava ganhar feito pano de chão — só que impecavelmente branco, macio e cheiroso (até o fim, exceto pelo bafo, sorry).

Das bolinhas petelecadas, quando ninguém mais topava brincar junto (1 e 2) — sempre me chama a atenção constatar o lado não-mãe das mães. E da generosidade de deixar o luto de maio do ano passado exclusivo para o Mercv.

Nesses dez meses, a doença renal avançou, a cistite rendeu dois episódios, o nariz nunca mais desencatarrou. E ao quadro delicado ainda se juntaram sintomas neurológicos — tipo fingir coma enquanto dorme. Fica difícil identificar o que te fez parar de comer de vez.

Mas cada rodada de patê na seringa era compensada, para nós duas, com passeios úmidos pelo jardim, roladinhas sem pressa no gramado, cafuné com ronrom. Até comecei a ler O Homem Que Morreu Duas Vezes, mas você se enfiava na lama embaixo do contêiner e só deu para embalar mesmo quando terminamos na cama.


Não era para ser assim. No meu roteiro, a gente teria espreguiçadeiras. E você, baiana de tudo, seguiria apagando como uma velinha — já contava com essa possibilidade desde janeiro. Quem sabe morreria sonhando, por que não? Na última semana, porém, rolou um plot twist e os três últimos dias dispensam bilheteria.

Simba partiu quando não conseguiu mais chegar ao banheiro para fazer xixi, Clara quando não conseguiu mais comer o patê de colher, Mercv quando não conseguiu mais curtir o meu colo. Você já tinha perdido tudo, parecia que entregaria os pontos e, do nada, tirava forças para mais um miado, uma caminhada bamba, um solzinho no gatil.


Senti que não queria ir. Era por causa das meninas, Guda? Na primeira noite em que te levei prostrada para o quarto (sim, diferente dos outros gatos, você dormiu mais de uma noite no quarto, fato inédito por causa da alergia... a gatos), você se materializou em frente à porta, deixando claro que não ficaria.

Na terça-feira, seu balde de faxina favorito para beber água velha amanheceu quebrado e ninguém sabe dizer como. Depois, a assadeira refratária de vidro explodiu no forno com o nosso almoço — Nadir Figueiredo destacando em vinho a tecnologia contrária ao feito. E eu completei quatro quilos perdidos — nada, em comparação aos seus 1,65 kg finais.

Ontem, perguntei para o Leo se a Clara ainda estava nos almofadões. Provavelmente exausta pelas madrugadas em claro, mas quero acreditar que era ela te acompanhando na partida. E você foi. Às 4h55 de hoje, depois de cair (será?) da escultura moderna de travesseirinhos com que tentei melhorar sua respiração, de rosto colado ao meu.

A lembrança mais agridoce que se pode ter de um despertar.

Fica tranquila que cuidarei das tranqueiras — aprendi com a melhor. Em dois meses, elas farão 16 anos! E você fará uma falta danada.



13.1.23

2022

Atualizado em 16 de janeiro de 2023

Sexta-feira 13, duas semanas atrasada e sem energia elétrica, eu escrevo esta retrospectiva em um laptop (meu primeiro laptop) comprado com os danos morais de espreguiçadeiras que não recebemos e lutando com a montanha-russa emocional de cuidar de uma gata para morrer.


Este é um texto sobre exaustão, contradições e impotência, mas também sobre abrir mão do controle, se deixar surpreender, rir de si mesmo ─ um resumo de 2022, com mais fracassos (e rinite alérgica) do que gostaria de admitir.

E o Gatoca seguiu, apesar de mim, porque virou comunidade, semente digital, transformação silenciosa. Mesmo que desista do blog (e de lutar contra os algoritmos das redes sociais), outras estratégias de despioramento de mundo ocuparão este espaço, propósito de vida.

Nos últimos 12 meses, aninhei um beija-flor, provoquei o pensamento crítico falando de clonagem, insisti na formação política dos leitores, entrevistei Fabio Chaves e Luli Sarraf, do Mandato Animal, que ousaram pensar um país mais justo para todos os seres, sem exploração nem maus-tratos. E inaugurei um puxadinho para divulgar resgates dos apoiadores que botam a mão na massa.

Teve post também sobre a polêmica roupinha para gato, o tempo deles, o melhor bebedouro de verão, o milagre da água na seringa, calculadora de ração (seca e úmida), suporte para comedouro contra vômitos, cocô fora da caixa, arranhador de papelão, olhos tremelicantes (nistagmo), FIV e FeLV, cistite recorrente por ansiedade (Síndrome de Pandora), bicho correndo loucão (três causas que eu desconhecia).

E como fazer inalação, diferenciar tosse e espirro (com vídeo), ajudar a comer em caso de problema na boca, ensinar a amar ração úmida natural, dar alimentação forçada sem piorar o quadro, sobreviver ao Natal (com árvore e quadrúpede inteiros), identificar cara de dor (em forma de teste).

As séries Vida com gatos (1 e 2) e O que eu faria diferente com os gatos (1 e 2) ganharam só dois capítulos. Mas a epopeia inspirada em O Encantador de Gatos, livro do Jackson Galaxy, com fotos divertidas da gangue, teve nove, que merecem um parágrafo exclusivo.

O mistério do ronronar, O que seu amigo quer dizer?, 7 posições de rabo explicadas, Decifrando expressões faciais, Como é um abraço felino?, Feromônios e os cheiros na comunicação, Existe outro bichano vivendo dentro do seu, O segredo da gatitude e Conhecendo sua maquininha de matar: bigodes.

Os textos que mais curti produzir foram sobre os melhores jogos de gato (eletrônicos, de tabuleiro e para celular), os melhores filmes (clássicos, lançamentos e inéditos), e a Bíblia Gatólica, desenhada pelo Carlos Ruas. Já Guda adorou modelar com a japamala felina, presente para dar uma força na reconexão.

E doeu compartilhar quando ela entrou em crise renal, rodando pelos bebedouros da casa (oito, de tamanhos, formatos e materiais diferentes), quando Pufosa inventou o chiclete de dente (sem possibilidade de anestesia), quando Pimenta resolveu andar desequilibrada do nada, quando Chocolate ficou surda. Mas foquei no serviço para socorrer outros corações angustiados.

Quase duas décadas não passariam sem mortes, aliás. Ainda sob o luto da Clara, contando o tempo em girassóis até desfolhar o primeiro ciclo, Mercvrivs se foi. Leitores novatos talvez não entendam o peso dessa partida e por que ela rendeu tantas linhas sobre nossa cicatriz, luto seco, negação, colo vazio e o primeiro aniversário sem aniversariante.

É que, 17 anos e três meses atrás, eu não gostava de animais.

O final feliz do Jacob também acabou, uma década depois. A (terceira) doação dele, porém, permanece entre as histórias mais emocionantes do Gatoca. Imagino que a próxima despedida seja da Guda, há duas semanas no soro (obrigada, Leo! ❤️) e na alimentação forçada — mas aproveitando os carinhos, o sol, os passeios na parte proibida do terreno, que escolhi para ilustrar esta retrospectiva.

Não foram poucas as vezes em que apelei ao humor para continuar. Teve tutorial de como descansar no sofá, amor platônico por pão francês, contradições felinas, pesadelo dos lagartinhos, gata empreendedora automotivada, cocô de pássaro vingativo, explosão de bebedouro, carnaval da ressaca, fiscal de horta orgânica, riqueza com tornozelo quebrado, dieta secreta, escavações no computador de Tutancâmon.

E transformei buraco em arte, unindo Tim Burton à almofada de joaninha da Choco, escrevi Gata Barraqueira, uma releitura do conto de fadas que envolve relacionamentos conturbados e abóbora, e Assassinato no Bebedouro do Poente, adaptação de Agatha Christie estrelada por Levischot.

Nossa casa araçoiabana completou um ano e a florestinha também, com dez lições. Já o Gatoca festejou 15, com quase aniversário e aniversário oficial (só lendo para entender, rs), mesma idade das Gudinhas. E Guda e Chocolate dividiram os 16. Todos devidamente comemorados com petiscos e apertos!

Devo agradecer, inclusive, a Pet Delícia pelo quinto ano de parceria, que me permite não só prolongar a existência dos bigodes, que precisam de umidade na alimentação, como manter a barriguinha deles cheia quando não conseguem mais comer sozinhos — ansiosa pelos sabores em molho!

Espero continuar acolhendo e inspirando pequenas revoluções, independente do formato. E sou imensamente grata pelo Cluboca, nosso grupo de apoiadores, com quem aprendo sempre e onde me sinto à vontade para pedir colo. O Gramado da Fama anda fraco (com edições em janeiro, fevereiro, abril e julho), mas aposto em recomeços múltiplos.

Que 2023 seja de jogatina e afetos positivos!


Retrospectivas dos anos anteriores: 2021 | 2020 | 2019 | 2018 | 2017 | 2016 | 2015 | 2014 | 2013 | 2012 | 2011 | 2010 | 2009 | 2008 | 2007

3.8.22

Um ano sem Clara

Eu te dei papinha nas costas da colher por 270 dias, até o carcinoma derrotar a mandíbula. Reguei 16 semanas de girassóis multicoloridos para as formigas transformarem em graveto. Cinco meses depois, plantei Mercvrivs.

Final (quase) feliz.


Despedida da Clara:

:: Saudade
:: Nunca foi tão difícil plantar girassóis
:: Os primeiros 30 dias
:: Clara finalmente virou girassol!
:: Girassóis góticos de Halloween
:: Luto: tempo contado em girassóis

1.7.22

Luto seco: um luto estranho

Eu me considerava especialista em luto. Perdi meus avós maternos aos 15 anos, minha mãe aos 23 e meu pai aos 31. Aí vieram as mortes felinas, Simba aos 36 e Clara aos 41, eclipsando outros parentes porque essa é uma lista de afetos. Em todos os casos, houve uma doença que se demorava, noites de sono entrecortado, alívio no final — e lágrimas atropelando tudo.

Mas não com o Mercvrivs.

Até muito perto do inesquecível 18 de maio, cuidei dele esperando que ficasse bom. Não percebi que era a vida que emagrecia, ainda não acredito que nunca mais. E, apesar de lembrar do frajola todo dia, não penso a respeito, não vejo fotos, não estendo conversa. Medo de chorar e não parar mais.

Por ele, por tudo de tão errado com o mundo, pela minha pequenez.

Foi um episódio do Diário Possível (mas inventado), anteontem, que me driblou. Comecei empática à voz embargada da Ana Roxo, que se despedira do pai, peguei carona na trilha sonora ardilosa e logo o tronco inteiro chacoalhava no tapetinho de ioga, em que Mercv me fez companhia por mais de uma década — a parceria na cadeira do escritório beirou 17 anos!

42 dias represada.

E ainda não posso dizer que estou fluindo.



Despedida do Mercv:

:: Saudade
:: Cicatriz

24.6.22

Assassinato no Bebedouro do Poente

Parte I: Os Fatos

Eram 8h de uma manhã de quase-inverno em Araçoiaba da Serra, quando Monstro pediu um pente emprestado e, sem rodeios, quis contratar Levischot para um serviço. Recheado de catnip, ele contou que colecionava inimigos — tendo sobrevivido, inclusive, a uma tentativa recente de sepultamento no jardim. Ela declinou a oferta pelo simples fato de não ir com sua pelúcia.

Como aqui não neva e nossa casa, apesar de adaptada em um contêiner, não se mexe, saltemos direto para o assassinato: às 9h do dia seguinte, o corpo de Mostro foi encontrado sem vida, flutuando no bebedouro de água mais alto do recinto, que ele não alcançaria sozinho.

O assassino estava entre nós.


Parte II: Os Testemunhos

As sete entrevistas ocorreram no gatil, para que o culpado se sentisse seguro em território dominado e acabasse escorregando. Pipoca, primeira a testemunhar, relatou que notou um gosto estranho na água e logo o cadáver emergiu. Pufosa jurou estar ocupada com o pote de comida — a madrugada inteira. Keka, Jujuba e Guda apresentaram o álibi coletivo de terem dormido juntas porque fazia frio.

Pimenta, vista para cima e para baixo com o finado (antes de finar), provavelmente deixaria DNA em forma de catarro no local. E negou qualquer envolvimento na trama, assim como a mãe e as irmãs. Já Chocolate se ofendeu com a suspeita de cometer um crime tão desprovido de drama, como afogamento.

Mas quem disse que foi afogamento?

Parte III: Beatriz Levischot Para e Pensa

Quem se beneficiaria com o mergulho fatal do Monstro? Por que ele precisava de um pente? O enterro frustrado no jardim teria conexão com esse trágico desfecho? Eis que tudo clareou, como roupa limpa saída da máquina!

Para remover a lama e recuperar a maciez dos cabelos, Levischot achou que seria uma ótima ideia lavar o brinquedinho com amaciante, perfume que não só agravou a alergia da Pimenta como arruinou a experiência recreativa com o catnip.

Foi Pips, portanto, que atirou o coitado no bebedouro, mas eu dormirei com essa culpa, caros leitores.

3.6.22

Cicatriz

Quando minha mãe morreu, a menos de um mês para o Natal de 2003, eu fechei o sutiã que insistia em dar um baile no funcionário do hospital, consertei o sobrenome escrito errado na plaquinha do velório, pedi para tirarem os crisântemos do caixão porque ela achava que crisântemo era flor de cemitério — não pareceu contraditório na época.

Sempre fui razão.

Nas inúmeras sessões de terapia depois, percebi que se mostrava urgente algum espaço para emoção. Cogitei até tatuar um coração de asas como lembrete. Aí conheci o Eduardo, coincidentemente com essa mesma imagem na internet, símbolo de muitos presentes, e Mercvrivs, o mais inesquecível deles.


Pensei de novo em tatuar o coração alado, agora como lembrança. E me toquei que o frajola já havia cuidado disso. A cicatriz no tornozelo direito, feita durante um trabalho que não existiria sem ele, porque caiu do colo que foi seu porto seguro em horário comercial durante 16 anos e 7 meses, me dividindo entre a dor e o riso, como tantas vezes antes. ❤️


Aproveito para agradecer os apoiadores incríveis do Gatoca, Adrina Barth, Aline Silpe, Daniela Cavalcanti, Elaigne Rodriges, Elisângela Dias, Gláucia Almeida, Kley Kopavnick, Marcelo Verdegay, Regina Tavares, Vanessa Araújo e Vivian Vano, que, encabeçados pela Michele Strohschein, dividiram as despesas com os últimos exames dos bigodes, compensando a desvalorização que nosso financiamento coletivo sofreu nos últimos anos.

(Aceitamos novos apoiadores, retribuímos com mundo melhor! 🤗)

E também a Tatiana Spinelli, irmã que escolhi na jornada, que tem ajudado a colar minha alma com band-aids de reiki lá da Itália — sair na foto com a Jujuba não é para qualquer um! rs

18.5.22

Saudade

Do alto da minha arrogância, acreditei que era só dar água na seringa que você viveria para sempre — não me passou pela cabeça que existiam outras mortes de gato, que não a do Simba e da Clara. E talvez eu tenha subestimado a falta que ela te faz, né, Mercv?

Você, a criatura mais tibetana que já passou pela Terra, me esperou recomeçar. Nove meses, depois dos nove meses do parto ao contrário — essa parece ser a nova marcação de tempo por aqui. Eu não estava pronta. Mas também não estaria se você partisse aos 30 anos, como costumava brincar.

16 e meio: tanto em tão pouco.

Sim, eu quis desistir porque você começava a diarreia na caixa de areia e saía andando sem terminar, sujando tudo. Não entendia nada de bicho. Só que, quando o veterinário disse que sua chance de sobreviver era pequena, nem 50 dias já com anemia, infecção e virose, eu chorei.

Na frente de um estranho, por uma bolota de bigodes de que acha que não gostava. E decidi te segurar nas garras — além de acabar com o estoque de Gatorade de limão, seu favorito.

O que não me impedia de ficar brava quando você mordia meu dedão embaixo da coberta ou escalava minhas pernas com as unhas, porque desconhecia o próprio poder letal. Entendi só depois que o combo precoce de doenças te roubou a oportunidade de se calibrar na lutinha com os irmãos.

Essa foi a vantagem que Eduardo usou para me convencer a te adotar, lembra? "Ele não mia, não brinca, não come, você nem vai perceber que ele existe". E logo a Clara me pescou no pet shop, te mordeu de volta e a paz passou a reinar — fora do quarto, porque, injustiça das bravas, me descobri alérgica a gatos.

Você foi, de longe, minha melhor escolha. Tentaram me empurrar os filhotes que cresceriam de olhos azuis, um dos cinzas com branco, o mais peludinho. Mas eu sabia que era você — o frajola comum, com a eterna secreção no olho esquerdo e o pelo caspento (que resolveu ficar macio e brilhante, misteriosamente, no final). Não tem explicação, não racional.

E com você eu aprendi a amar também cachorro, passarinho, rato kamikaze, pomba porcalhona. A resgatar, depois a doar — não sem antes formar nossa gangue. A dividir o Gatoca com o mundo. A estender esse amor aos porcos, vacas, galinhas — e ler rótulo minúsculo de embalagem.

A querer mudar o planeta.

Agora, preciso aprender a continuar sem você — e seu cheirinho de roupa passada, o salto alto ecoando pela casa, as caçadas de ração, o colo roubado no meio da ioga, "mãããããããe" perfeitamente miado do outro lado das portas fechadas (isso quando você não decidia abri-las no pulo), a parceria no mamão do café da manhã (porque descobri que não podia te dar iogurte e sorvete napolitano), sua paixão por água, fingindo que bebia só para molhar o cabelo.

Naquele 2 de dezembro de 2005, te carreguei sem jeito no carro balançando, com medo de quebrar. Uma menina de 25 anos. Aos 42, sou eu a quebrada.

Se não existir nada além daqui, no nosso terreno você está ao lado da Clara — lugar em que você mesmo escolheu descansar no último passeio, já cambaleante. E porque Leo pegou a enxada há pouco, com a sensação térmica de 9ºC — você partiu no dia mais frio do ano e o termômetro não precisava concordar.

Como prometido, segurei sua mão por intermináveis cinco horas. E você retribuiu com um pãozinho timidamente amassado, o presente mais incrível que uma mãe poderia ganhar. Não existirá outro Mercvrivs.

Vem me visitar, de vez em quando? Eu sou boa de sonho.



*

Não poderia deixar de agradecer à Guda, que não era a Clara, mas ficou grudadinha com o Mercv até o fim. Ao Leo, da ajuda prática com o soro e os almoços que eu mal conseguia comer ao acolhimento em abraços silenciosos. Ao Edu, que cuidou do pequeno nos últimos dois anos, durante as madrugadas e finais de semana. À Maru, por me apresentar à homeopatia e às seringadas de água, e me acompanhar na despedida. Ao Eduardo, por ter insistido para eu abrir a janela e deixar o sol entrar.

13.1.22

Luto: tempo contado em girassóis

Primeiro, a gente achou que os passarinhos tinham roubado as sementes plantadas com a Clara. Aí, despontaram microfolhas no solo, depois um botão desajeitado e parei de compartilhar a jornada do luto em flores com o girassol gótico. Mas o jardim nada-secreto seguiu seu caminho de cura — e quanto mais o tempo passava, mais colorido ficava.


Foi emocionante enxergar estrelas no miolo do girassol amarelo.


E precisei segurar com estacas os caules que decidiram a gestar múltiplos botões.

O vermelhão demorou, mas apareceu.


E logo se juntaram a ele versões purpurinadamente mescladas.


Sofremos um ataque de fungo, tratado com bordalesa e autoacolhimento.


A plantação superou meus 1,70 m!


Por dois meses, vimos este quadro se renovar na janela do quarto:


Até que as formigas venceram.

Eu estaria mentindo se dissesse que não fiquei chateada. Mas os girassóis não nasceram justamente da impotência?


Despedida da Clara:

:: Saudade
:: Nunca foi tão difícil plantar girassóis
:: Os primeiros 30 dias
:: Clara finalmente virou girassol!
:: Girassóis góticos de Halloween