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22.7.24

Saudade

Este post deveria ter sido escrito no dia 20, mas, pela primeira vez, de oito, não consegui (e atualizei nos dias 23 e 24, com fotos que haviam ficado de fora)

Lembro de encher o cabelo da Mari de marias-chiquinhas e passear orgulhosa de mãos dadas com ela, como se fosse minha filha ― não tem nem três anos de diferença entre nós. De 1995 a 2003, passei pomada em dezenas de hematomas de quimioterapia e exames da minha mãe. E só aceitei revezar as madrugadas de hospital com meu pai, na última internação, quando acordei de um desmaio com ela me segurando no banheiro junto com o cabide de dreno, soro e medicações.

Meu pai, a quem depois ofereci acompanhar nos alcoólicos anônimos, mentindo que também exagerava na bebida, só para encorajá-lo. Por causa deles, a morte e o vício, assumi a casa e os dois irmãos aos 23 anos, João com 16. Aprendi que amaciante não se enxágua, acumulei boletos, participei de reuniões de escola, dei conselhos sobre sexo.

Sou uma pessoa que cuida.


E ri quando Maru te identificou como minha gata de cura, dado o exagero dos bigodes, que quase se tocavam nas pontas. Fazia todo o sentido compartilharmos a alergia respiratória ― ainda que você também interpretasse o papel de alérgeno, rs. Seus superpoderes sempre reconheciam um coração precisando de aquecimento.




Foi um choque te ver tombar em dois meses e meio tudo que não havia envelhecido nos 17 anos anteriores, justo porque resolveu caçar uma aranha (ou qualquer bicho de fora da sua caixinha de brinquedos), responsável pela reação alérgica que colapsou de vez os rins ― em algum momento, precisarei lidar com essa caixinha, já que são raros os gatos autobrincantes. Mas não hoje. Por isso, inclusive, atrasei este post em dois dias.


Sem você aqui para lamber meus cabelos, tomei como remédio a visita mediada pelo pessoal do Museu de Imagens do Inconsciente à exposição da Nise da Silveira, lembrança dos tempos de curso do Jung na PUC. Leo, que não tem minha facilidade com as palavras, fez hambúrguer para o almoço, pizza para o jantar e nem me julgou por comer lasanha no café da manhã. Li comédia romântica na cama até mais tarde, maratonamos um seriado da terceira idade ― mas eram ladras!

Agora, preciso arrancar o band-aid.

Você protagonizou a clássica jornada do herói, na versão Pixar. Antes mesmo de enxergar, recém-nascida, já estava liderando a aventura de desbravamento pela lavanderia do casarão herdado, que fez despencar degrau abaixo suas quatro irmãs. Não tinha nome melhor do que Pimenta! ― quer dizer, Mariana te apelidou de Devedora Temedora, o que também fazia jus. Era a única integrante da família Guda que eu sempre soube que não doaria.


E o miado fininho enganava. Lembra quando deu um baile na faxineira e fugiu pela amoreira do jardim de inverno, que deveria ficar fechado? Ou do contorcionismo para caber nas gavetas? E quando Intrú invadiu o gatil para bater na Keka e você o botou para correr? Depois, Leo ainda esqueceu uma porta aberta e precisei separar você e o frajola duas vezes maior, engalfinhados embaixo do contêiner, a gritos.

Claro que a gata de pelo longo tinha de ser a mais bagunceira. Cheguei a pegar uma lesma ressecada na sua barriga! E perdi a conta de todas as vezes em que você caiu da prateleira rolando empolgada ― o que também fazia no banheiro. Prateleira da parede customizada com catarro, aliás, que a gente não vencia de limpar. Até dormindo você parecia combater o crime ― sempre imaginava um narrador bradando: "Para o alto e avante!".

E bastava esticar o tapetinho de ioga no chão para sua cara se materializar na minha, dando sequência a uma sucessão de espirros.


Quando Leo descia para o estúdio, você ia correndo na frente ganhar carinho de bunda no tronquinho feito justamente para vocês ― ele não chorou como eu, mas sei que ficou abalado porque passou a matar todas as aranhas que encontrava pelo caminho (em casa de vegano, até barata a gente espanta).


Acho que você foi quem mais aproveitou o gatil de Araçoiaba, curtindo o catnip úmido nos dias secos, adubando o resedá organicamente, se escondendo na cinerária, que partiu junto contigo ― no apertamento de São Bernardo, onde a alergia respiratória começou, tinha de se contentar com um vaso de suculentas e, em Araçoiaba, o gramadinho era quase cenográfico.


Para compensar as inalações, passei a te levar para passear pelo terreno, proibido aos gatos que conseguiriam escalar 2 metros de muro. Mesmo desequilibrando, você adorava xeretar a bagunça da oficina. Depois, retomava o fôlego nos bambuzinhos ao lado e rumava para as bananeiras, onde se metia embaixo de uma folha de costela-de-adão, sob a taioba ― três camadas de disfarce!



Na tarde de quinta-feira, se pôs a miar na porta de vidro da sala, pedindo para sair, coisa que não acontecia há tempos. Andou com dificuldade, fazendo mais paradas do que o normal, como se se despedisse. Na sexta, te levei no colo para baixo da taioba, aquela sob a bananeira, para ser nossa despedida, foto que abre este post ― não consegui entrar embaixo da costela-de-adão, desculpa.

Você não seria uma velhinha de pijama, né?

Te ajeitei no quarto, para monitorar de perto, mas percebi a inquietação. Imaginei que preferia passar a madrugada no montinho felino, ainda que desfalcado, e te devolvi entre Jujuba e Keka. Acordei às 3h, com Jujuba vomitando no corredor, e você já tinha ido ― só esperou terminar o aniversário da dona Vera. Sozinha, do mesmo jeito que nasceu, porque eu não sabia que um parto animal podia dar errado.


Me doeu te recolher ainda molinha do chão gelado. E, pela primeira das oito mortes, chorei de culpa ― 36 minutos, até pegar no sono com seu corpo ao pé da cama. Sonhei, então, que você levantava e vinha se aconchegar no meu colo. Eu dizia que isso não podia acontecer porque estava morta, mas te enchia de carinho. Só um instantinho, que fez muita diferença.

Obrigada por cuidar de mim, mesmo quando essa era minha função. ❤

*

Preciso agradecer ainda o Dr. Nivaldo, que em 2008 aceitou hospedar a pastora belga grávida recém-resgatada por uma desconhecida, com toda a cara de golpe, acabou virando amigo e mesmo aposentado em Brotas me aconselhou sobre as possibilidades de tratamento para a Pips no final. O Adriano, terapeuta que também tenho o privilégio de chamar de amigo (foda-se Freud), por me ouvir falar do mesmo assunto há 52 sessões. E a Liliane, apoiadora querida que ainda me paga para escrever por fora, que nunca cobrou aqueles textos não entregues.

18.4.24

Saudade

Esta é uma história sobre escolhas. Começou no dia 14 de fevereiro de 2007, quando João te encontrou pequena, rabinho quebrado, o clássico nariz de chocolate que viraria nome, lembra? Eu escolhi te deixar para adoção no pet shop, porque acreditava que não daria conta de cuidar de quatro gatos. Mas a gaiola estava lotada e não voltei na semana seguinte.

Você poderia ter tido uma família mais exclusiva ― não só dei conta de cuidar de quatro gatos como de cinco, de sete, de dez (e algumas dezenas de temporários). Geniosa, ficava na ponta mais afastada do montinho felino ou reinando exclusiva na estante do escritório, em sua almofada de joaninha ― que nos acompanhou por três mudanças, ganhou uma cestinha, um remendo à la Tim Burton e só aposentou com a cama nuvem, depois de uma tentativa fracassada de roupinha.


Em Sorocaba, escolheu a lavanderia, menos disputada, para chamar de sua. Eu achava que era por causa da estante, aquela que ficava no escritório de São Bernardo, mas você gostava mesmo é da caixa suja do aspirador de pó ― e continuou gostando aqui em Araçoiaba. Da lavanderia, da estante, da caixa suja do aspirador de pó.

Já para Guda nunca deu bola ― e ela tentou até o fim, um ano atrás. Como pode caber tanta rabugice em uma gata-anã, que pesou 2,5 kg praticamente a existência inteira (até perder 900 gramas nos dois últimos meses)? E que roubava glutadela com esta carinha. E miava feito cabrita, soltando barulhinhos onomatopeicos quando subia nas coisas, pulava no chão, percebia nosso toque, bebia água, mastigava a ração.

Aí, escolhi cuidar do Intrú, que não tinha a sorte de morar do lado de dentro da porta de vidro de alguém e resolveu montar acampamento bem do lado de fora da porta de vidro da sua lavanderia ― fiz justiça gastando a maior parte dos lencinhos umedecidos dele com você. Veio, então, a ataxia, a cistite e os sintomas respiratórios, uma possível artrose, um possível trombo, a apatia.

Eu não sabia se sentia dor ou estava só sendo ranheta você ― esperei sete anos para te ter enrodilhada no colo. Se a pele flácida era de desidratação ou velhice. Se voltaria a afiar as garras no tronquinho do gatil ― três meses antes, você caçava animada os croquetes no parquinho! O raio-x indicou apenas problemas na coluna pela idade. Mas você, sempre sem parada, seguiu aquietando ― e Jujuba insistindo em ficar grudada.




Achei que não passaria de sexta ― a do dia 29 de março! E escolhi parar a vida. Botei fraldinha, liberei o quarto para dormir, aquele em que você nunca pôde entrar porque tenho alergia a gatos, comecei a te carregar por todo o lado para garantir que não cairia. Mas você não morreu. Ficou presa em um corpinho que não funcionava direito ― hidratada, com as mucosas coradas, olhos brilhantes (os mais lindos de Gatoca), sem qualquer episódio de vômito ou diarreia.




Como não conseguia mais chegar sozinha no jardim, te ajeitei no catnip só para voltar com formigas na cabeça e uma lesma entrando na boca. Pensei em parar sua vida. Eis que você adorou o suco de maçã. De manhã, acordava com a carinha colada à minha, não importava em que posição te colocasse. E sonhava loucamente.


Escolhi continuar. E também sonhei: você encostava a testa na minha e pressionava nossas cabeças uma contra a outra com as patinhas. Parecia uma despedida. Quando um dos dentes se pôs a sangrar, escrevi ao veterinário da cidade perguntando sobre a eutanásia. Só no consultório.

Em vez do terror da viagem de carro pelas estradas de terra esburacadas, escolhi te levar no sling improvisado para um último passeio pelo bairro, que você sorveu com os faróis ainda mais gigantes, cada folha, cada bicho, cada portão ― surda há uns dois anos, os cachorros latiam no vazio.



De segunda para cá, a dúvida foi me consumindo: havia algo mais para aproveitar? Será que eu tinha passado do ponto? Nesta madrugada, você arrumou um jeito de me confortar. Ignorando quaisquer limitações neurológicas, deitou no meu peito e só percebi quando acordei pela primeira vez ― na segunda, você estava encaixada entre minhas pernas, como um pacotinho.




Partiu na sua inseparável cama nuvem (como encará-la desocupada?), enquanto ganhava um cafuné com a mão que não estava tentando responder os e-mails atrasados.


Não te dei uma família exclusiva, mas garanti 17 anos e dois meses de presença, trabalhando em casa muito antes de o home office ser moda. E uma aposentadoria entre capuchinhas e passarinhos, mudando para o interior de aluguel e tomando um golpe da empresa de contêineres.


Podem ter sido escolhas inexperientes, de gateira de primeira viagem, e desajeitadas, de quem tantas mortes depois ainda não aprendeu a perder. Mas você sabe que foram as melhores que consegui fazer, né?

5.1.24

2023

Em um misticismo exclusivo, os anos terminados em três marcam transformações profundas em mim. Foi em 2003 que precisei me dividir entre o trabalho e o hospital até dona Vera perder uma longa batalha contra o câncer, perto do Natal ― e que também tive de aprender a fazer arroz, lavar privada, cuidar dos irmãos mais novos, multiplicar dinheiro no supermercado.

Em 2013, deixei o casarão de uma vida inteira para caber com dez gatos, o Leo e, esporadicamente, as enteadas em um apertamento de 60 m2. Meu apertamento ― depois de uma reforma "faça você mesmo", apelidada de terapia. Uns meses antes, por causa das crises recorrentes de alergia e asma, já havia decidido parar com os resgates e redirecionar os esforços do Gatoca para a educação.

Se minha mãe estivesse viva, provavelmente confirmaria que em 1983 juntou coragem para se separar do alcoolismo do meu pai e nos mudamos para o prédio em que minha avó morreu antes de cumprir a promessa de sorvete toda a tarde, quando o shopping em frente ficasse pronto ― para voltar atrás pouco tempo depois. A mãe, não a avó.

E deve ter sido em 1993 que sofri um bullying persistente por nunca ter beijado na boca ― resolvi inventar um caso na viagem com as "amigas" à Caraguatatuba, que acabou desmascarado e só piorou tudo. Para dar uma ideia do impacto, o beijo de verdade tardou mais cinco anos ― e, por favor, não façam as contas.

Finalmente chegamos a 2023, assunto desta retrospectiva, com três gatas mortas em 15 semanas, a expectativa de um sabático ao final destas quase duas décadas felinas e um intruso estragando tudo. Guda partiu em março, com 17 anos, Pipoca em julho e Pufosa dois dias depois, ambas com 16.

Além da exaustão, sobrou um gosto amargo porque Pipoquinha chegou a reverter o primeiro derrame pleural ― que demandou uma releitura da escolha de Sofia de 11 anos atrás. E, pouco antes delas, já havíamos pedido o Mercv (com quem vira e mexe sonho) e a Clara, igualmente idosos.

A dinâmica da casa, acostumada a nove bichos preenchendo vazios e silêncios, mudou completamente ― ainda não acostumei a me referir à gangue no feminino. Sem a mãe e metade das irmãs, Jujuba virou uma gata carente e Keka deu para me acordar aos berros cada vez mais cedo ― 4h44 o recorde! Quem não mudou foi o Leo (amo essa foto!), parceiro de soro, de obra, de cova.

Comentei aqui no blog que envelhecer com os bigodes tem me feito enxergar o tempo de outra forma ― as adaptações demoram mais, o corpo não funciona do mesmo jeito, a gente precisa fazer um esforço ativo para não deixar a curiosidade morrer junto com o resto.

Eis que Intrú veio chacoalhar essa energia, com seu olho verde-vida, o pelo brilhante, o nariz rosinha ― lembra Mercv jovem, principalmente quando dorme de boca aberta. No dia 27 de outubro, começava o projeto castração, bem-sucedido, mas com pós-operatório turbulento e duas bombas: a idade e a FeLV. Mesmo assim, persisto na campanha de adoção, porque ele merece morar do outro lado da porta de vidro da lavanderia.

No ativismo, aliás, o ano prometia com a criação do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais pelo governo federal. E ficou só nisso mesmo. Eu diminuí o ritmo de publicação dos posts e a frequência de envio do boletim para conseguir dar conta de tudo ― rolou Gramado da Fama em fevereiro, maio e julho, mas aquém da ambição do nosso financiamento coletivo.

O blog perdeu o puxadinho no servidor de mais de uma década, passando justo o 1º de abril fora do ar. E ainda assistimos portão e telhado araçoiabanos voarem com o temporal de novembro ― que também nos deixou sem luz e água por três dias. Nos intervalos, porém, a gente comemorou.

Os dois anos de casa nova, os 16 do Gatoca (em dose dupla!), os aniversários da Chocolate e das Gudinhas (e o primeiro aniversário sem Guda, bem como o segundo sem Mercv, em homenagem), o Natal customizado ― com brinquedinhos para as peludas, lasanha de marmita em companhia do Intrú e Amigo Secreto de Talentos no Cluboca, o grupo de apoiadores mais maravilhoso do universo!

A geriatria dominou o conteúdo de serviço: gastrite por doença renal, cérebro cansado, fralda, artrose, ataxia, escova de bebê, patê lisinho para seringa. E desabafei sobre o difícil equilíbrio ao cuidar de bichanos. A série inspirada em O Encantador de Gatos, livro do Jackson Galaxy, ganhou dez capítulos inéditos: sobre os bigodes felinos, a visão e a audição, como eles caçam e o que comem, hábitos de limpeza e sono, arquétipos, lugares de confiança e esconderijos-casulos.

Também teve teste de latinha em molho e o controverso sabor peixe, e textos sobre alimentação úmida, o gosto da água e ração de insetos (+ novidades gringas). O enriquecimento ambiental foi turbinado com sofá e prateleiras repaginados, a primeira cama nuvem, arranhadores caseiros (com passo a passo) e parquinho vertical ― que rendeu uma miniobra!

O blog ainda alertou para os perigos do calor, garras que entram nas almofadinhas, a incompatibilidade de banho e antipulgas, inchaço que vira abscesso, os malefícios da imobilização pelo cangote. Ensinou a identificar dor, ronco e marcação fantasma, se declarar com os olhos, pesar seu amigo com precisão.

E, mesmo quebrada por dentro, não podiam faltar os posts de entretenimento: nossa experiência tragicômica com inteligência artificial, a briga com o ChatGPT, o desafio dos seriados, o ataque de um serial killer, a visita de pterodátilos, as releituras de Dalí, gatos fazendo gatices, a inviabilidade do nosso reality show, minha soneca com o inimigo, a Pimenta do clima e as vergonhas de gateiro.

Que 2024 bata mais leve ― porque a idade dos integrantes fixos e o gênio do temporário dão o spoiler de que fácil não será. rs


Retrospectivas dos anos anteriores: 2022 | 2021 | 2020 | 2019 | 2018 | 2017 | 2016 | 2015 | 2014 | 2013 | 2012 | 2011 | 2010 | 2009 | 2008 | 2007

4.10.23

Gata do tempo e o tempo do relógio

Abro este post com um arco-íris de Pimenta para contar que...


...trombei com esta imagem na internet e guardei para recriá-la com os bigodes em 4 de janeiro de 2017!


Nos quase sete anos que dividem planejamento de publicação, esmagaram-se duas mudanças de casa, três cidades (São Bernardo, Sorocaba e Araçoiaba), uma obra com pandemia e desgoverno, cinco gatos mortos (Clara, Mercv, Guda, Pipoca, Pufosa) — e outras intensidades que meu senso de autopreservação provavelmente enfiou nas samambaias.

Foi quando compartilharam esta ilustração no Instagram, mês passado, que decidi tirar do papel o que sem querer acabou virando um projeto de longo prazo.


E não poderia escolher melhor modelo do que nossa performer de soneca.


GATA DO TEMPO

Chuvoso


Encoberto


Nublado


Parcialmente nublado


Ensolarado


Aquecimento global


Está liberado imprimir e colar na geladeira! 😂

21.7.23

Silêncio no silêncio

Eu moro numa rua em que praticamente não passa gente, sem vizinhos a olho nu, cujo comércio mais próximo fica a 7 minutos de carro. E descobri que a casa podia se tornar ainda mais quieta com a morte tripla da família Guda, em menos de quatro meses.

A dinâmica mudou completamente: 16 anos de miados e cores, que enchiam os almofadões e se espalhavam pelos cômodos, resumidos a três gatas PB e uma agregada — pensem que Gatoca já teve simultaneamente, além da gangue de dez, nove temporários, mais dois cachorros!

Em todo o canto falta e a cada luto se somam os anteriores.



9.7.23

Saudade (sim, mais uma)

Eu guardo uma coleção de fotos suas esmagando o Simba, a Clara, o Mercv e a Guda em espaços onde, teoricamente, caberia apenas um gato. Você só tinha tamanho, Pufosa — e patas de leoa! Suspeitava que perder a mãe, último porto seguro, seria um grande baque. Mas não te imaginava partir menos de quatro meses depois e apenas dois dias na sequência da Pipoca.


Há 16 anos, vocês também chegaram mudando tudo. E de tutora de bigodes em quantidade normal (quatro, meu número da sorte) virei protetora de dez, ainda imaginando que conseguiria doar, se não a golpista da barriga, ao menos a ninhada. Como cansei de desabafar aqui, porém, quem separa uma família que segue mamando com 2 anos? Você, inclusive, foi a mais persistente.




E, por mais que tenha me esforçado para compensar as ausências, não podia lamber sua cabeça — sou alérgica a gatos, né? Embora neste final, hei de confessar, afundei a cara no seu pelo fininho e macio (surpreendentemente cheiroso!) mais de uma vez, enquanto chorava. Por causa dele, aliás, você é Pufosa — inicialmente Bufosa, até a gente descobrir que se tratava de "arma de fogo, pistola, berrante". rs


Não que você não berrasse, mas só na hora das guloseimas. Bastava ouvir o barulho da latinha abrindo de manhã ou do sachê rasgando nos fins de semana, que aparatava na cozinha, atropelando os irmãos. E continuou vindo mesmo doente, sem conseguir comer quase nada. E, quando andar ficou mais difícil, me encarava com os farolões azuis, de qualquer lugar da casa, esperando ansiosa pelo potinho.






Só você ganhou sachê batido em todas as seringadas dos últimos dias, com sabores variando. Nem parecia a criatura de gosto duvidoso que adorava recomer vômito (o próprio e os alheios), em um processo apelidado de micro-ondas, pelo aquecimento natural — se eu soubesse que, exclusivamente na ração úmida, você não vomitaria mais, teria nos poupado todo o estresse com o megaesôfago, o chiclete de dente, a gastrite. Me desculpa?

Talvez, você também aproveitasse outras coisas do gatil, além da grama que crescia no meio da cinerária, perigosamente mais saborosa. Engraçado que só você não quis se isolar no jardim nessa fase. Preferiu, sim, ficar sem as irmãs no escritório, mas acho que era porque o colchão, herdado com o sofá (que você amou) do cantinho novo, acomodava melhor sua artrose.




Ontem, a gente leu juntas e trocou carinhos, cada uma no seu estilo. Na hora de dormir, vesti a fraldinha, porque o banheiro havia ficado longe demais, mesmo sem sair do lugar. Ainda acordei às 4h14 para um chamego extra — fraldinha seca, patê para o estômago não doer, mais carinho. Você ronronou e gastou o miado economizado há dois dias, agora sei que em despedida.


Leo te pegou mais uma vez, três horas depois, em um sono tranquilo, enroladinha. Acordada por um pesadelo com o Simba e os gritos da Keka na porta do quarto, só cheguei a tempo de te botar no colo e repetir, grogue de sono, que estava ali. Bon vivant, claro que você morreria no domingo. O primeiro em que não pediu sachê.

7.7.23

Saudade

Atualizado em 8 de julho de 2023, às 13h30

Quando você reverteu um derrame pleural sem punção, às vésperas dos 16 anos e depois de uma quase-morte por micoplasmose, outra por colite, mais 11 anos driblando a doença renal, eu achei que enterraria seus nove irmãos — biológicos e agregados. Pufosa, inclusive, é a gata dos cuidados da vez.


Mas na segunda-feira o rangido voltou no ronrom, na terça seu corpinho já balançava com o esforço da respiração, na quarta você trocou o colo pelo jardim do gatil (que amava) e ontem começou andando devagar pelo catnip e terminou prostrada nos almofadões da sala. Foi muito rápido, Pipoca!


Eu coloquei a fraldinha, para garantir, fiz um último vídeo das Gudinhas juntas e pedi que me chamasse se precisasse de qualquer coisa, porque Chicão me acordaria — no quarto estranho pela alergia a gatos, você provavelmente se angustiaria, como aconteceu com a Guda.


Despertei pela primeira vez às 3h20, como nas outras madrugadas, só que apaguei de novo de exaustão. Às 4h10, te recolhi do chão, com a fraldinha arremessada longe — briosa como os Levischi, você ainda conseguiu usar o banheiro. Esquentei o patê e dei na seringa para a Pufosinha, depois para você, interrompida por duas respirações fortes, aquelas tristes conhecidas.

Não deu tempo de nada. Nem uma gota de xixi fora nem vômito ou diarreia, mucosas coradas porque eu monitorava com mais frequência do que corretor da Bolsa de Valores. Ao mínimo tom de azul, cederia à eutanásia — o veterinário local estava avisado. Tenho asma, levei minha mãe ao hospital pela última vez justamente com os pulmões afogados e não assistiria você morrer sufocando.

Quatro dos dias mais longos de que me lembro.

Dá para acreditar que você passou cinco anos fugindo de mim? Quer dizer, bem no começo, quando ainda era nosso ursinho Pimpão (sim, eu passei essa vergonha na castração), você até gostava das pernas magrelas, equivalentes a sentar no taco. Mas a família Guda, nascida em casa, acabou se fechando para humanos e só ganhei uma segunda chance quando suas patinhas não conseguiram mais fugir.




Naquele 2012 do primeiro susto, Leo me deu de presente um Daruma e, pintando o olho esquerdo, pedi que você sobrevivesse — os tropeços da jornada, inclusive, foram compartilhados, rs. Um privilégio poder completar a pintura nesta manhã — escolhi sua cor, porque já havia preto demais.




P.S.: Volto a este post um pouco menos esgotada do que ontem, digitando no celular com uma mão enquanto faço cafuné na Pufosa com a outra, porque faltou agradecer os momentos incríveis que tivemos juntas. Como você miava pedindo carinho e saía correndinho até sentir que era seguro relaxar e curtir. Sempre me acompanhava durante o almoço, em cima ou embaixo da cadeira, do seu jeito, no seu tempo.

E orava nos potes de água, escolhendo o vaso do finado bebedouro elétrico como seu favorito. Amava libélulas, principalmente pelo barulho, e caçou até um passarinho — o que me despertou emoções conflitantes, confesso. O coração partido da sua pelagem desbotou na velhice, mas, ironicamente, nunca esteve tão vibrante.

23.3.23

Saudade

Você foi o golpe da barriga mais bem-sucedido do universo felino. Quando dona Jane, a vizinha que passou anos odiando nossa infância (e seus barulhos), tocou a campainha de casa, em maio de 2007, eu não sabia disso. Achei, na verdade, que viria reclamação. Eis que você apareceu ostentando a pança que viraria apelido e daria forma ao Gatoca — porque contar a história de quatro gatos não tem o mesmo apelo de uma dezena, né?

Preciso confessar, aliás, que pretendia doar todo mundo — quem consegue cuidar de dez bichos? Depois, só a ninhada. E aqui entra a engenhosidade do golpe: você fez as meninas mamarem até os 2 anos! Aos 6 meses, vamos combinar, a situação já era ridícula. Pimenta nem coube!


E toda noite, pontualmente às 21h, você roubava um ímã do meu mural de fotos, fazia um miado engraçado e as cinco vinham jogar hockey. Contei essa história na Folha de S.Paulo, lembra? Uma sexta-feira em que o blog superou os acessos acumulados desde a criação, seis meses antes.


Só um monstro separaria essa família — que seu coração, tão grande quanto os bigodes, compartilhou gentilmente conosco.


Como minha mãe morreu muito cedo e a gente não se toca da importância do que está vivendo enquanto se está vivendo, foi você quem se tornou meu exemplo de maternidade. Mesmo quando as Gudinhas já não queriam mais ficar tão grudinhas, você apoiou — do seu jeito, no tempo delas.

E me fazia pensar quem zelaria por ti no final — Simba teve Clara, Clara teve Mercv, Mercv teve você. A resposta refletia no espelho. Mas ainda não estou pronta para terminar esta despedida.

Quero falar antes de como você recebia todas as visitas com esfregadas, personalidade oposta à das filhotas ariscas, e tentou sem sucesso ser amiga da Chocolate — que inventou o conceito de arqui-inimigo platônico. Da sua obsessão por pão francês. Dos carinhos de pé que amava ganhar feito pano de chão — só que impecavelmente branco, macio e cheiroso (até o fim, exceto pelo bafo, sorry).

Das bolinhas petelecadas, quando ninguém mais topava brincar junto (1 e 2) — sempre me chama a atenção constatar o lado não-mãe das mães. E da generosidade de deixar o luto de maio do ano passado exclusivo para o Mercv.

Nesses dez meses, a doença renal avançou, a cistite rendeu dois episódios, o nariz nunca mais desencatarrou. E ao quadro delicado ainda se juntaram sintomas neurológicos — tipo fingir coma enquanto dorme. Fica difícil identificar o que te fez parar de comer de vez.

Mas cada rodada de patê na seringa era compensada, para nós duas, com passeios úmidos pelo jardim, roladinhas sem pressa no gramado, cafuné com ronrom. Até comecei a ler O Homem Que Morreu Duas Vezes, mas você se enfiava na lama embaixo do contêiner e só deu para embalar mesmo quando terminamos na cama.


Não era para ser assim. No meu roteiro, a gente teria espreguiçadeiras. E você, baiana de tudo, seguiria apagando como uma velinha — já contava com essa possibilidade desde janeiro. Quem sabe morreria sonhando, por que não? Na última semana, porém, rolou um plot twist e os três últimos dias dispensam bilheteria.

Simba partiu quando não conseguiu mais chegar ao banheiro para fazer xixi, Clara quando não conseguiu mais comer o patê de colher, Mercv quando não conseguiu mais curtir o meu colo. Você já tinha perdido tudo, parecia que entregaria os pontos e, do nada, tirava forças para mais um miado, uma caminhada bamba, um solzinho no gatil.


Senti que não queria ir. Era por causa das meninas, Guda? Na primeira noite em que te levei prostrada para o quarto (sim, diferente dos outros gatos, você dormiu mais de uma noite no quarto, fato inédito por causa da alergia... a gatos), você se materializou em frente à porta, deixando claro que não ficaria.

Na terça-feira, seu balde de faxina favorito para beber água velha amanheceu quebrado e ninguém sabe dizer como. Depois, a assadeira refratária de vidro explodiu no forno com o nosso almoço — Nadir Figueiredo destacando em vinho a tecnologia contrária ao feito. E eu completei quatro quilos perdidos — nada, em comparação aos seus 1,65 kg finais.

Ontem, perguntei para o Leo se a Clara ainda estava nos almofadões. Provavelmente exausta pelas madrugadas em claro, mas quero acreditar que era ela te acompanhando na partida. E você foi. Às 4h55 de hoje, depois de cair (será?) da escultura moderna de travesseirinhos com que tentei melhorar sua respiração, de rosto colado ao meu.

A lembrança mais agridoce que se pode ter de um despertar.

Fica tranquila que cuidarei das tranqueiras — aprendi com a melhor. Em dois meses, elas farão 16 anos! E você fará uma falta danada.