Foi no dia 12, uma sexta-feira que deveria ser de faxina, mas acabou suspensa no calendário pelos cuidados com a Chocolate ― e a expectativa angustiante da partida. Por isso não contei antes, inclusive. Sentei no jardim buscando um respiro, já que outra vida só viria acompanhada de outra encarnação, e Intrú correu para encaixar a cabeça gigante no meu cafuné.
Ensaiou passar sobre as pernas cruzadas para um lado, para o outro, se equilibrou nos ossos mal-embrulhados. Até que deitou, com a cara bem enfiadinha para não restar dúvidas de que se tratava de um colo. E ronronou. De boca aberta, sua marca registrada.
Deixei o vídeo completo para vocês também aproveitarem em caso de cinzentura ― foi tanto colo que a música acabou. Duas vezes (na segunda roubei e fiz uma emenda). rs
Para não acharem, então, que se trata sempre do mesmo gato nos posts, fica a dica: Keka tem cavanhaque, Pips bigode, Intrú máscara e Jujuba é diferente. rs
Este texto em especial traz o colorido da Lucia Trindade e da Aline Silva, estreando no Gramado da Fama. Lucia acompanha o Gatoca há uma década, mora no Rio de Janeiro, trabalha com museus (sonho!) e batizou um dos peludos de Balão. A paulistana Aline faz pesquisas na área de química, tem quatro idosos e tirou Gordinha da crise com as dicas que aprendeu aqui sobre soro subcutâneo e alimentação úmida. Bem-vindas oficialmente, meninas!
Um aperto a distância também para Adrina Barth, Alice Gap, Itacira Ociama, Regina Haagen, Renata Godoy, Leonardo Eichinger, Irene Icimoto, Tati Pagamisse, Roberta Herrera, Vanessa Araújo, Dani Cavalcanti, Samanta Ebling, Bárbara Santos, Marina Kater, Sonia Oliveira, Marcelo Verdegay, Patrícia Urbano, Fernanda Leite Barreto...
... Bárbara Toledo, Solimar Grande, Aline Silpe, Lucia Mesquita, Michele Strohschein, Marilene Eichinger, Guiga Müller, Sérgio Amorim, Gatinhos da Família F., Luca Rischbieter, Rosana Rios, Regina Hein, Paula Melo, Paulo André Munhoz, Marianna Ulbrik, Cristina Rebouças, Lorena da Fonseca, Karine Eslabão, Michely Nishimura...
...Danilo, Klay Kopavnick, Glaucia Almeida, Ana Cris Rosa, Ana Hilda Costa, Lia Paim, Elisângela Dias, Ivoneide Rodrigues, Melissa Menegolo, Vanessa Almeida, Vivian Vano, Maria Beatriz Ribeiro, Elaigne Rodrigues, Simone Castro, Beatriz Terenzi, Viviane Silva, Regina Hansen, Arina Alba, July Grafe, Sandra Malacrida, Vera e Gabriela Fromme, que não deixam o projeto morrer! 🤗
(Tem um troco sobrando, gosta do nosso trabalho e quer se tornar apoiador também? Dá uma fuçada nas recompensas da campanha — aqui fiz um resumo das principais ações, on e offline, destes 16 anos e meio. ❤)
Esta é uma história sobre escolhas. Começou no dia 14 de fevereiro de 2007, quando João te encontrou pequena, rabinho quebrado, o clássico nariz de chocolate que viraria nome, lembra? Eu escolhi te deixar para adoção no pet shop, porque acreditava que não daria conta de cuidar de quatro gatos. Mas a gaiola estava lotada e não voltei na semana seguinte.
Você poderia ter tido uma família mais exclusiva ― não só dei conta de cuidar de quatro gatos como de cinco, de sete, de dez (e algumas dezenas de temporários). Geniosa, ficava na ponta mais afastada do montinho felino ou reinando exclusiva na estante do escritório, em sua almofada de joaninha ― que nos acompanhou por três mudanças, ganhou uma cestinha, um remendo à la Tim Burton e só aposentou com a cama nuvem, depois de uma tentativa fracassada de roupinha.
Em Sorocaba, escolheu a lavanderia, menos disputada, para chamar de sua. Eu achava que era por causa da estante, aquela que ficava no escritório de São Bernardo, mas você gostava mesmo é da caixa suja do aspirador de pó ― e continuou gostando aqui em Araçoiaba. Da lavanderia, da estante, da caixa suja do aspirador de pó.
Já para Guda nunca deu bola ― e ela tentou até o fim, um ano atrás. Como pode caber tanta rabugice em uma gata-anã, que pesou 2,5 kg praticamente a existência inteira (até perder 900 gramas nos dois últimos meses)? E que roubava glutadela com esta carinha. E miava feito cabrita, soltando barulhinhos onomatopeicos quando subia nas coisas, pulava no chão, percebia nosso toque, bebia água, mastigava a ração.
Aí, escolhi cuidar do Intrú, que não tinha a sorte de morar do lado de dentro da porta de vidro de alguém e resolveu montar acampamento bem do lado de fora da porta de vidro da sua lavanderia ― fiz justiça gastando a maior parte dos lencinhos umedecidos dele com você. Veio, então, a ataxia, a cistite e os sintomas respiratórios, uma possível artrose, um possível trombo, a apatia.
Eu não sabia se sentia dor ou estava só sendo ranheta você ― esperei sete anos para te ter enrodilhada no colo. Se a pele flácida era de desidratação ou velhice. Se voltaria a afiar as garras no tronquinho do gatil ― três meses antes, você caçava animada os croquetes no parquinho! O raio-x indicou apenas problemas na coluna pela idade. Mas você, sempre sem parada, seguiu aquietando ― e Jujuba insistindo em ficar grudada.
Achei que não passaria de sexta ― a do dia 29 de março! E escolhi parar a vida. Botei fraldinha, liberei o quarto para dormir, aquele em que você nunca pôde entrar porque tenho alergia a gatos, comecei a te carregar por todo o lado para garantir que não cairia. Mas você não morreu. Ficou presa em um corpinho que não funcionava direito ― hidratada, com as mucosas coradas, olhos brilhantes (os mais lindos de Gatoca), sem qualquer episódio de vômito ou diarreia.
Como não conseguia mais chegar sozinha no jardim, te ajeitei no catnip só para voltar com formigas na cabeça e uma lesma entrando na boca. Pensei em parar sua vida. Eis que você adorou o suco de maçã. De manhã, acordava com a carinha colada à minha, não importava em que posição te colocasse. E sonhava loucamente.
Escolhi continuar. E também sonhei: você encostava a testa na minha e pressionava nossas cabeças uma contra a outra com as patinhas. Parecia uma despedida. Quando um dos dentes se pôs a sangrar, escrevi ao veterinário da cidade perguntando sobre a eutanásia. Só no consultório.
Em vez do terror da viagem de carro pelas estradas de terra esburacadas, escolhi te levar no sling improvisado para um último passeio pelo bairro, que você sorveu com os faróis ainda mais gigantes, cada folha, cada bicho, cada portão ― surda há uns dois anos, os cachorros latiam no vazio.
De segunda para cá, a dúvida foi me consumindo: havia algo mais para aproveitar? Será que eu tinha passado do ponto? Nesta madrugada, você arrumou um jeito de me confortar. Ignorando quaisquer limitações neurológicas, deitou no meu peito e só percebi quando acordei pela primeira vez ― na segunda, você estava encaixada entre minhas pernas, como um pacotinho.
Partiu na sua inseparável cama nuvem (como encará-la desocupada?), enquanto ganhava um cafuné com a mão que não estava tentando responder os e-mails atrasados.
Não te dei uma família exclusiva, mas garanti 17 anos e dois meses de presença, trabalhando em casa muito antes de o home office ser moda. E uma aposentadoria entre capuchinhas e passarinhos, mudando para o interior de aluguel e tomando um golpe da empresa de contêineres.
Podem ter sido escolhas inexperientes, de gateira de primeira viagem, e desajeitadas, de quem tantas mortes depois ainda não aprendeu a perder. Mas você sabe que foram as melhores que consegui fazer, né?
Aproveitando a habilidade que todo jornalista pagador de boletos tem de transformar conteúdo em entretenimento, eu inventei, então, este teste. Quantas características valorizadas pelos peludos você coleciona?
Empatia
Pessoas com maior sensibilidade emocional conseguem se colocar no lugar de seus gatos e perceber o que estão sentindo, qualidade essencial para quem tem bichos que se afetam facilmente por coisas que não fazem tanta diferença para outros animais ― e evitar situações de estresse ajuda a prevenir problemas de saúde como gripe e lipidose hepática.
Timidez
Introversão costuma vir acompanhada de um grande poder de observação, permitindo ao tutor tímido ser o primeiro a identificar mudanças comportamentais nos peludos, como o fato de passarem a comer menos depois da chegada do novo pet.
Introspecção
Quem gosta de estar consigo mesmo, desfrutando do tempo de seu jeitinho, dará aos gatos, avessos a barulho e agito, uma casa mais tranquila, sem necessidade de descobrirem todos os buracos à prova de festa.
Criatividade
Um humano criativo estará sempre pensando em formas de enriquecer o ambiente e entreter criaturas que tende a se entediar fora de seu habitat natural ― e não hesitam em trocar brinquedos caros por aquela caixa de papelão em que veio o mop.
Inconformismo
Em um mundo desenhado para cachorros, domesticados há mais tempo, pessoas com o espírito combativo conquistaram adequações importantes para os bichanos, como as clínicas especializadas em felinos ― e seguem na luta.
Independência
Por mais que o pequeno seja ronronento, você deve ter notado que ele também aprecia ficar em seu cantinho. E ninguém melhor do que um indivíduo autossuficiente para encontrar o equilíbrio entre os momentos de solidão que seu amigo tanto precisa e de socialização com cafuné liberado.
RESPOSTA
:: Até 3 características
Você provavelmente integra o grupo dos tutores de gato pragmáticos, representado por 35% dos participantes do estudo. Apesar de considerar o bichano parte da família, não tem um vínculo afetivo tão forte e acha trabalhoso cuidar dele.
:: A partir de 4 características
Bem-vindo ao universo das emoções complexas, coabitado por 65% dos gateiros, que sentem grande conexão com seus companheiros, sempre a postos quando precisam de apoio ― confessando, inclusive, compartilhar coisas que jamais diriam a outras pessoas.
A foto de quando Intrú pisou no cobertor não tem a melhor qualidade e, apesar de a gente aprender no jornalismo que vale mais o registro histórico do que a plasticidade, achei melhor abrir este post com o clique das apresentações ― o frajola precisa de uma família e não podemos nos dar o luxo de contrariar os algoritmos, né?
Araçoiaba da Serra nesta época do ano lembra o deserto, com dias quentes e noites frias, o que me fez antecipar a compra do cobertorzinho. Seguindo as dicas das meninas no Cluboca, nosso clube maravilhoso de apoiadores, aliás, optei pela versão humana de solteiro, bem maior e mais barata do que as de pet ― ainda posso cortar e ter uma opção de troca para o dia da lavagem.
O pacote chegou quase junto com a criatura, que estava desaparecida há dois dias e meio ― seria muito triste segurar a manta de microfibra encarando a casinha vazia. Esperei anoitecer e mal tive tempo de ajeitar no chalé porque o peludo pulou para dentro, sem se importar com os cheiros estranhos.
A grande surpresa, porém, foi notar, já da lavanderia, a bundinha balançando do lado de fora. Saí de novo para confirmar e me deparei com esta cena:
Dez ataques depois, o encardido estava fazendo massinha (e mamando!) no seu primeiro cobertor. ❤️
De todos os cuspes que me voltaram na testa durante estas quase duas décadas de proteção animal, ter um gato que vai para a rua lidera o ranking. Ok, Intrú não é exatamente meu, embora não concorde com essa interpretação dos fatos. E para sair de casa precisaria antes entrar, coisa que nunca aconteceu por causa da FeLV, que o impede de confraternizar com minhas velhinhas.
Tecnicalidades à parte, o frajola passa a maior parte do tempo por aqui, mas nenhum muro de 2 m de altura consegue segurá-lo no terreno quando bate "os cinco minutos" ― não sei do que, porque o cara de pau tem comida e roupa lavada. E está castrado!
Eis que no sábado à noite ele se jogou no mundo e não retornou para o café da manhã. Nem para o almoço. Nem para o jantar. Nem no domingo. Nem na segunda. Eu rodei o bairro chacoalhando o potinho de ração, conversei com o pessoal que está asfaltando a rua que desce, com os lixeiros, escrevi para o grupo de moradores, para a ONG, para os dois veterinários da cidade.
E chorei ― justo agora, que a pança estava começando a tomar forma?
Na terça-feira, ele brotou do solo com tanta fome que comeu a ração renal infestada de formigas que a gente havia deixado no jardim. E a ração dele. E um resto de sachê das meninas. E a latinha favorita da Pet Delícia. Nenhum arranhão. Entendi as mães que falam para os filhos que, se fizerem algo que coloque a vida em risco, vão matá-los. A sensação é essa mesmo ― alívio com nariz de palhaço.
De lá para cá, me pergunto sem sucesso: onde a criatura estava?
a) Com a segunda família, tóxica.
b) Vagando sem rumo ao bater a cabeça e perder a memória.
c) Preso em uma casa de veraneio, depois de filar a bacalhoada de Páscoa.
d) No caminho de Santiago de Compostela para ressignificar a existência.
e) Trabalhando uberizado com a pressão de quitar dívida de catnip.