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5.1.24

2023

Em um misticismo exclusivo, os anos terminados em três marcam transformações profundas em mim. Foi em 2003 que precisei me dividir entre o trabalho e o hospital até dona Vera perder uma longa batalha contra o câncer, perto do Natal ― e que também tive de aprender a fazer arroz, lavar privada, cuidar dos irmãos mais novos, multiplicar dinheiro no supermercado.

Em 2013, deixei o casarão de uma vida inteira para caber com dez gatos, o Leo e, esporadicamente, as enteadas em um apertamento de 60 m2. Meu apertamento ― depois de uma reforma "faça você mesmo", apelidada de terapia. Uns meses antes, por causa das crises recorrentes de alergia e asma, já havia decidido parar com os resgates e redirecionar os esforços do Gatoca para a educação.

Se minha mãe estivesse viva, provavelmente confirmaria que em 1983 juntou coragem para se separar do alcoolismo do meu pai e nos mudamos para o prédio em que minha avó morreu antes de cumprir a promessa de sorvete toda a tarde, quando o shopping em frente ficasse pronto ― para voltar atrás pouco tempo depois. A mãe, não a avó.

E deve ter sido em 1993 que sofri um bullying persistente por nunca ter beijado na boca ― resolvi inventar um caso na viagem com as "amigas" à Caraguatatuba, que acabou desmascarado e só piorou tudo. Para dar uma ideia do impacto, o beijo de verdade tardou mais cinco anos ― e, por favor, não façam as contas.

Finalmente chegamos a 2023, assunto desta retrospectiva, com três gatas mortas em 15 semanas, a expectativa de um sabático ao final destas quase duas décadas felinas e um intruso estragando tudo. Guda partiu em março, com 17 anos, Pipoca em julho e Pufosa dois dias depois, ambas com 16.

Além da exaustão, sobrou um gosto amargo porque Pipoquinha chegou a reverter o primeiro derrame pleural ― que demandou uma releitura da escolha de Sofia de 11 anos atrás. E, pouco antes delas, já havíamos pedido o Mercv (com quem vira e mexe sonho) e a Clara, igualmente idosos.

A dinâmica da casa, acostumada a nove bichos preenchendo vazios e silêncios, mudou completamente ― ainda não acostumei a me referir à gangue no feminino. Sem a mãe e metade das irmãs, Jujuba virou uma gata carente e Keka deu para me acordar aos berros cada vez mais cedo ― 4h44 o recorde! Quem não mudou foi o Leo (amo essa foto!), parceiro de soro, de obra, de cova.

Comentei aqui no blog que envelhecer com os bigodes tem me feito enxergar o tempo de outra forma ― as adaptações demoram mais, o corpo não funciona do mesmo jeito, a gente precisa fazer um esforço ativo para não deixar a curiosidade morrer junto com o resto.

Eis que Intrú veio chacoalhar essa energia, com seu olho verde-vida, o pelo brilhante, o nariz rosinha ― lembra Mercv jovem, principalmente quando dorme de boca aberta. No dia 27 de outubro, começava o projeto castração, bem-sucedido, mas com pós-operatório turbulento e duas bombas: a idade e a FeLV. Mesmo assim, persisto na campanha de adoção, porque ele merece morar do outro lado da porta de vidro da lavanderia.

No ativismo, aliás, o ano prometia com a criação do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais pelo governo federal. E ficou só nisso mesmo. Eu diminuí o ritmo de publicação dos posts e a frequência de envio do boletim para conseguir dar conta de tudo ― rolou Gramado da Fama em fevereiro, maio e julho, mas aquém da ambição do nosso financiamento coletivo.

O blog perdeu o puxadinho no servidor de mais de uma década, passando justo o 1º de abril fora do ar. E ainda assistimos portão e telhado araçoiabanos voarem com o temporal de novembro ― que também nos deixou sem luz e água por três dias. Nos intervalos, porém, a gente comemorou.

Os dois anos de casa nova, os 16 do Gatoca (em dose dupla!), os aniversários da Chocolate e das Gudinhas (e o primeiro aniversário sem Guda, bem como o segundo sem Mercv, em homenagem), o Natal customizado ― com brinquedinhos para as peludas, lasanha de marmita em companhia do Intrú e Amigo Secreto de Talentos no Cluboca, o grupo de apoiadores mais maravilhoso do universo!

A geriatria dominou o conteúdo de serviço: gastrite por doença renal, cérebro cansado, fralda, artrose, ataxia, escova de bebê, patê lisinho para seringa. E desabafei sobre o difícil equilíbrio ao cuidar de bichanos. A série inspirada em O Encantador de Gatos, livro do Jackson Galaxy, ganhou dez capítulos inéditos: sobre os bigodes felinos, a visão e a audição, como eles caçam e o que comem, hábitos de limpeza e sono, arquétipos, lugares de confiança e esconderijos-casulos.

Também teve teste de latinha em molho e o controverso sabor peixe, e textos sobre alimentação úmida, o gosto da água e ração de insetos (+ novidades gringas). O enriquecimento ambiental foi turbinado com sofá e prateleiras repaginados, a primeira cama nuvem, arranhadores caseiros (com passo a passo) e parquinho vertical ― que rendeu uma miniobra!

O blog ainda alertou para os perigos do calor, garras que entram nas almofadinhas, a incompatibilidade de banho e antipulgas, inchaço que vira abscesso, os malefícios da imobilização pelo cangote. Ensinou a identificar dor, ronco e marcação fantasma, se declarar com os olhos, pesar seu amigo com precisão.

E, mesmo quebrada por dentro, não podiam faltar os posts de entretenimento: nossa experiência tragicômica com inteligência artificial, a briga com o ChatGPT, o desafio dos seriados, o ataque de um serial killer, a visita de pterodátilos, as releituras de Dalí, gatos fazendo gatices, a inviabilidade do nosso reality show, minha soneca com o inimigo, a Pimenta do clima e as vergonhas de gateiro.

Que 2024 bata mais leve ― porque a idade dos integrantes fixos e o gênio do temporário dão o spoiler de que fácil não será. rs


Retrospectivas dos anos anteriores: 2022 | 2021 | 2020 | 2019 | 2018 | 2017 | 2016 | 2015 | 2014 | 2013 | 2012 | 2011 | 2010 | 2009 | 2008 | 2007

5 comentários:

Anônimo disse...

Deixar aqui nos meus favoritos!!! Suas experiências nos ajudam muito!!!

Bárbara disse...

Aguardando os dias de glória, porque até agora só vimos os dias de luta rs
Torcendo por um 2024 mais suave, Bia!

Anônimo disse...

Que venham dias melhores!!!

Anônimo disse...

Muita coisa aconteceu em 2023, esperamos que em 2024 as coisas boas superem as ruins! E segue a luta no Gatoca e por aqui também Bjus

Anônimo disse...

Quantos conteúdos interessantes publicados em 2023! E o céu dos gatinhos cada vez mais lindo, com gatinhos que foram muito amados.