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3.6.22

Cicatriz

Quando minha mãe morreu, a menos de um mês para o Natal de 2003, eu fechei o sutiã que insistia em dar um baile no funcionário do hospital, consertei o sobrenome escrito errado na plaquinha do velório, pedi para tirarem os crisântemos do caixão porque ela achava que crisântemo era flor de cemitério — não pareceu contraditório na época.

Sempre fui razão.

Nas inúmeras sessões de terapia depois, percebi que se mostrava urgente algum espaço para emoção. Cogitei até tatuar um coração de asas como lembrete. Aí conheci o Eduardo, coincidentemente com essa mesma imagem na internet, símbolo de muitos presentes, e Mercvrivs, o mais inesquecível deles.


Pensei de novo em tatuar o coração alado, agora como lembrança. E me toquei que o frajola já havia cuidado disso. A cicatriz no tornozelo direito, feita durante um trabalho que não existiria sem ele, porque caiu do colo que foi seu porto seguro em horário comercial durante 16 anos e 7 meses, me dividindo entre a dor e o riso, como tantas vezes antes. ❤️


Aproveito para agradecer os apoiadores incríveis do Gatoca, Adrina Barth, Aline Silpe, Daniela Cavalcanti, Elaigne Rodriges, Elisângela Dias, Gláucia Almeida, Kley Kopavnick, Marcelo Verdegay, Regina Tavares, Vanessa Araújo e Vivian Vano, que, encabeçados pela Michele Strohschein, dividiram as despesas com os últimos exames dos bigodes, compensando a desvalorização que nosso financiamento coletivo sofreu nos últimos anos.

(Aceitamos novos apoiadores, retribuímos com mundo melhor! 🤗)

E também a Tatiana Spinelli, irmã que escolhi na jornada, que tem ajudado a colar minha alma com band-aids de reiki lá da Itália — sair na foto com a Jujuba não é para qualquer um! rs

18.5.22

Saudade

Do alto da minha arrogância, acreditei que era só dar água na seringa que você viveria para sempre — não me passou pela cabeça que existiam outras mortes de gato, que não a do Simba e da Clara. E talvez eu tenha subestimado a falta que ela te faz, né, Mercv?

Você, a criatura mais tibetana que já passou pela Terra, me esperou recomeçar. Nove meses, depois dos nove meses do parto ao contrário — essa parece ser a nova marcação de tempo por aqui. Eu não estava pronta. Mas também não estaria se você partisse aos 30 anos, como costumava brincar.

16 e meio: tanto em tão pouco.

Sim, eu quis desistir porque você começava a diarreia na caixa de areia e saía andando sem terminar, sujando tudo. Não entendia nada de bicho. Só que, quando o veterinário disse que sua chance de sobreviver era pequena, nem 50 dias já com anemia, infecção e virose, eu chorei.

Na frente de um estranho, por uma bolota de bigodes de que acha que não gostava. E decidi te segurar nas garras — além de acabar com o estoque de Gatorade de limão, seu favorito.

O que não me impedia de ficar brava quando você mordia meu dedão embaixo da coberta ou escalava minhas pernas com as unhas, porque desconhecia o próprio poder letal. Entendi só depois que o combo precoce de doenças te roubou a oportunidade de se calibrar na lutinha com os irmãos.

Essa foi a vantagem que Eduardo usou para me convencer a te adotar, lembra? "Ele não mia, não brinca, não come, você nem vai perceber que ele existe". E logo a Clara me pescou no pet shop, te mordeu de volta e a paz passou a reinar — fora do quarto, porque, injustiça das bravas, me descobri alérgica a gatos.

Você foi, de longe, minha melhor escolha. Tentaram me empurrar os filhotes que cresceriam de olhos azuis, um dos cinzas com branco, o mais peludinho. Mas eu sabia que era você — o frajola comum, com a eterna secreção no olho esquerdo e o pelo caspento (que resolveu ficar macio e brilhante, misteriosamente, no final). Não tem explicação, não racional.

E com você eu aprendi a amar também cachorro, passarinho, rato kamikaze, pomba porcalhona. A resgatar, depois a doar — não sem antes formar nossa gangue. A dividir o Gatoca com o mundo. A estender esse amor aos porcos, vacas, galinhas — e ler rótulo minúsculo de embalagem.

A querer mudar o planeta.

Agora, preciso aprender a continuar sem você — e seu cheirinho de roupa passada, o salto alto ecoando pela casa, as caçadas de ração, o colo roubado no meio da ioga, "mãããããããe" perfeitamente miado do outro lado das portas fechadas (isso quando você não decidia abri-las no pulo), a parceria no mamão do café da manhã (porque descobri que não podia te dar iogurte e sorvete napolitano), sua paixão por água, fingindo que bebia só para molhar o cabelo.

Naquele 2 de dezembro de 2005, te carreguei sem jeito no carro balançando, com medo de quebrar. Uma menina de 25 anos. Aos 42, sou eu a quebrada.

Se não existir nada além daqui, no nosso terreno você está ao lado da Clara — lugar em que você mesmo escolheu descansar no último passeio, já cambaleante. E porque Leo pegou a enxada há pouco, com a sensação térmica de 9ºC — você partiu no dia mais frio do ano e o termômetro não precisava concordar.

Como prometido, segurei sua mão por intermináveis cinco horas. E você retribuiu com um pãozinho timidamente amassado, o presente mais incrível que uma mãe poderia ganhar. Não existirá outro Mercvrivs.

Vem me visitar, de vez em quando? Eu sou boa de sonho.



*

Não poderia deixar de agradecer à Guda, que não era a Clara, mas ficou grudadinha com o Mercv até o fim. Ao Leo, da ajuda prática com o soro e os almoços que eu mal conseguia comer ao acolhimento em abraços silenciosos. Ao Edu, que cuidou do pequeno nos últimos dois anos, durante as madrugadas e finais de semana. À Maru, por me apresentar à homeopatia e às seringadas de água, e me acompanhar na despedida. Ao Eduardo, por ter insistido para eu abrir a janela e deixar o sol entrar.

13.1.22

Luto: tempo contado em girassóis

Primeiro, a gente achou que os passarinhos tinham roubado as sementes plantadas com a Clara. Aí, despontaram microfolhas no solo, depois um botão desajeitado e parei de compartilhar a jornada do luto em flores com o girassol gótico. Mas o jardim nada-secreto seguiu seu caminho de cura — e quanto mais o tempo passava, mais colorido ficava.


Foi emocionante enxergar estrelas no miolo do girassol amarelo.


E precisei segurar com estacas os caules que decidiram a gestar múltiplos botões.

O vermelhão demorou, mas apareceu.


E logo se juntaram a ele versões purpurinadamente mescladas.


Sofremos um ataque de fungo, tratado com bordalesa e autoacolhimento.


A plantação superou meus 1,70 m!


Por dois meses, vimos este quadro se renovar na janela do quarto:


Até que as formigas venceram.

Eu estaria mentindo se dissesse que não fiquei chateada. Mas os girassóis não nasceram justamente da impotência?


Despedida da Clara:

:: Saudade
:: Nunca foi tão difícil plantar girassóis
:: Os primeiros 30 dias
:: Clara finalmente virou girassol!
:: Girassóis góticos de Halloween

7.1.22

2021

Ano de baixar as expectativas.

Era para falar de pandemia no passado, comemorar a casa nova com os bigodes, realizar um projeto antigo. Mas nós continuamos quarentenados, tomamos golpe da empresa de customização dos contêineres enquanto Clara morria, vimos expirar o edital que viabilizaria a trilogia de livros infantis nos portões fechados das escolas municipais.

E integramos o grupo dos privilegiados, em um país de 19,1 milhões de famintos. Como não desanimar? A verdade é que eu desanimei. E, pela primeira vez, em 14 anos, este blog passou dois meses sem atualizações. Só voltei, na real, por causa de vocês — e dos relatos de como o Gatoca ainda ajuda e acolhe leitores.

Nosso banheiro segue sem porta. As brigas quase viraram divórcio. E o luto da Clara durou meses, da despedida aos girassóis — plantados com bolhas nas mãos, regados nem sempre com água da torneira e germinados timidamente. Mas a vida foi assentando. Dentro e fora.

Nasceram, então, girassóis exuberantes, a gangue ganhou uma floresta, o gatil lendário saiu do papel! Pipoca, na batalha de uma década contra a doença renal, até caçou um passarinho — o que me rendeu sentimentos mais conflitantes do que o episódio do atum vegano.

O livro da Rosana Rios inspirado no nosso trabalho entrou para o clube de leitura da Organização das Nações Unidas (ONU), na categoria redução das desigualdades. E nós recebemos do Catarse o selo de "projetos que amamos" — seletos 181, entre mais de 5 mil.

Teve texto também sobre roupinha para gato, cuidados paliativos, seringa perfeita para dar remédio, larvas e bicheira, o perigo das coleiras, esponja mágica para sujeira pesada, ração úmida improvisada, o barato do matatabi, luto em animais, riscos de não urinar, bebedouro inusitado, dosador oral que goteja, o que eu faria diferente com os bigodes, brinquedos para qualquer idade, como os bichanos gastariam seu tempo na natureza.

E a série nova, baseada na bíblia O Encantador de Gatos, escrita pelos especialistas em comportamento Jackson Galaxy e Mikel Delgado: Existe um canto do planeta sem eles?, A primeira gateira da história, Como a humanidade se curvou aos felinos, Seu amigo vem da América ou do Velho Mundo?, 8 mudanças genéticas modernas e 44 raças lindas, mas doentes.

No ativismo, a gente divulgou a Leia, deu entrevista para o UOL (e acabou obrigado a discutir a estigmatização da "louca dos gatos"), participou de bate-papo com ambientalistas sobre educação, homenageou a luta LGBTQIA+, levou a polêmica dos testes com animais à Folhinha, descobriu que ajudou a salvar um filhote famoso, arrecadou dinheiro para o tratamento do Conan.

E não dava para abandonar, justo neste ano-bomba, os posts de entretenimento, né? Vida com gatos #8, Felinos modernos, 6 coisas estúpidas que fiz quando adotei, Guardiãs felinas, Quando o X marca o tesouro, Pimenta à milanesa, Gatos, tijolos e frases desmotivacionais, A causa da rabugice felina, Cantinho da reflexão, Receita de pão de gato, 'Abaporu', de Gatinha do Amaral e Uma caixinha especial.

Clara, Guda e Gudinhas tiveram seus aniversários ignorados no caos da mudança para Araçoiaba da Serra, interior do interiorrr. Mas nós comemoramos o da Chocolate, o do Mercvrivs (nascimento e adoção), os 14 anos de concepção e lançamento do Gatoca (jornalista de papel, gente), o primeiro botãozinho da Clara coincidindo com o quinto ano sem Simba, seu grande amor. E o amigo secreto de talentos, que já virou um clássico!

Tudo isso só aconteceu porque vocês nos apoiam. ❤️ E continuaram mesmo com o Brasil em crise — o Gramado da Fama mais emocionante foi o de Natal! Lembram que eu disse que não ia fazer dancinha no TikTok, aliás? As meninas do Cluboca insistiram, a Cat Friday e o boletim do Catarse compactuaram e nós acabamos de bater a meta de desbravar a rede social chinesa!

Que em 2022 a gente só precise rebolar por ludicidade!


Retrospectivas dos anos anteriores: 2020 | 2019 | 2018 | 2017 | 2016 | 2015 | 2014 | 2013 | 2012 | 2011 | 2010 | 2009 | 2008 | 2007

17.12.21

Os bastidores do gatil lendário de Gatoca!

É fato que os bigodes se acostumaram com o apertamento mais rápido do que eu — que não me acostumei nunca, na verdade. Mas foi na janela de São Bernardo, respirando a poluição da Anchieta, que Pimenta desenvolveu a rinite alérgica highlander. Vir para o interior, portanto, equipararia qualidade de existência à conta bancária, em queda livre.

E eles aproveitaram bastante a casa concretada de Sorocaba. Até a gente ser moralmente despejado no meio da pandemia, sem nunca ter atrasado um centavo de aluguel, e a rural Araçoiaba da Serra se tornar uma opção. Obra, mudança e semanas de caos quase viraram separação, já contei aqui. Clara morreu. Secaram os frilas.

A gangue ganhou, então, um gatil improvisado, que resistiu por nove meses — na real, acho que eles sentiram pena da gente porque aqueles bambus apodrecendo e as telas velhas com barriga não seguravam mais ninguém. Em outubro, consegui comprar os caibros e toras de eucalipto para o gatil oficial, que Leo trouxe equilibrados no carro. Só que ainda faltava o alambrado, bem mais caro.

No mês seguinte, quando Pipoca quase partiu na última crise renal, batalha de uma década, resolvi dar um salto de fé e encomendei a cerca. Foi aí que o Gatoca saiu no boletim do Catarse, recebeu o selo "Projeto que Amamos" e começou a cair apoiador do lustre — vocês não tem ideia de como sou grata! O novo empreendimento é maior do que nossa casa: 90 m2 contra 60 m2!


A construção levou 13 dias, de sangue, suor, brigas — jornalista e designer armados com marreta e maquita.




A cada faixa do alambrado, pesado e pouco maleável, a gente tentava um método diferente, para tomar outro baile: começar a instalação de baixo para cima, de cima para baixo, prender tudo na esquerda ir desenrolando, deixar a sobra no topo e cortar depois, enterrar a sobra no gramado.








A limpeza de mato e plantas tóxicas rendeu três sacões de lixo. E o manacá, que estava com dificuldade de vingar, acabou dando lugar ao berço do futuro resedá, que os gatos poderão mastigar à vontade. Leo arrumou um tronco de árvore, vítima da poda da empresa de luz, para afiarem as garras. Tampou as brechas de fuga pelos contêineres com pedras do terreno vizinho. E quase arrancou o catnip que ele mesmo havia plantado.

No sábado retrasado, rolou o open cattery!


Guda, Keka e Pufosa se meteram a explorar tudo. Mercv deitou no primeiro quadrado de grama macio. Já Jujuba não saía de jeito nenhum. Se a gente tentava estimular, voltava correndo. E terminou a tarde laranja de rolar na terra do barranco. O catnip foi solenemente ignorado, até o quarto dia, quando passou a juntar fila. Pimenta e Pipoca arriscaram subir no tronquinho, só que quem está descascando o coitado inteiro é a Chocolate.




















A pequena rabugenta merece um parágrafo exclusivo, aliás: depois de dar a maior canseira no gatil improvisado, conseguiu escapar três vezes da blindagem oficial. O bairro ficou sem pedra e a peste aparecia do outro lado da cerca, como Houdini! Precisamos resgatar os macarrões de piscina do lixo e nos contentar com o toque de cortiço que sempre sobra na decoração.


Nosso banheiro continua sem porta, inclusive. Mas os bigodes terão vida, ao final.

2.12.21

Presente reverso

Quando adotei o Mercv*, exatamente 16 anos atrás, achei que estava oferecendo a ele a chance de ganhar uma família — eu nem gostava de bicho, o filhotico frajola jogou baixo! Mas foi Mercv quem acabou me dando uma família.

E amigos.

Trabalhos.

Um projeto de vida.

Sem esse gato, nenhuma parte de mim seria igual.


*Novelinha: Conheça a história do Mercv

31.8.21

'Abaporu', de Gatinha do Amaral

Se Tarsila tivesse pintado Chocolate no seu "Abaporu", ele não ficaria datado como o símbolo do Movimento Modernista Brasileiro — e faria muito mais sucesso no TikTok!


P.S.: Sim, eu sei que "homem que come gente", tradução do tupi-guarani, é o quadro brasileiro mais famoso. Mas confesso que quase caí de costas quando li que está avaliado em US$ 200 milhões. De dólares! A BBC conta a história interessantíssima dele aqui.


P.S. do P.S.: No ano passado, antes de a pandemia desgastar nossa existência, Leo e eu entramos na brincadeira de recriar pinturas famosas, vocês viram? :)

3.8.21

Saudade

Você foi meu parto ao contrário. E, quando decidi te chamar de Clara Luz, não fazia ideia disso. Era uma homenagem a um livro de infância, sobre uma fada que não queria seguir as regras do livro das fadas. Nossa história toda, aliás, foi avessa a regras, né? Você quem me adotou, há 15 anos e (quase) quatro meses, enroscando as garras, de dentro da gaiolinha do pet shop, na minha blusa de lã.


E eu, que só tinha o Mercv, perguntei para a atendente se poderia te devolver caso a adaptação não desse certo — você, recém-abandonada em um saco de lixo com toda a ninhada! Se dependesse do seu gênio ariano adotivo, não daria certo mesmo. Mas Mercv te amou desde o primeiro instante. Hoje eu olho esta foto, que nomeei inexperiente como "beijo", e dou risada: você cogitava um ataque.


Aí, depois de sete anos e meio sem pegar um resfriado, apareceu um tumor, retirado com sucesso. E a hiperqueratose inofensiva, em 2015, que ninguém imaginou virar um carcinoma. Uma sorte, porque a quimioterapia te proporcionaria uma sobrevida de dois anos e você só baqueou nos últimos nove meses.

Nossa gestação ao contrário começou com o colar elisabetano, porque o machucado que nunca cicatrizaria passou a coçar cada vez mais e você transformou o escritório em um filme do Tarantino. Sem conseguir comer direito, a gente inventou de bater a ração úmida da Pet Delícia no processador e te dar de colherinha. 270 dias. Você curtiu cada um deles. E, quebrando a tradição mais uma vez, preferia lamber as costas da colher.

Não bastassem as limitações impostas pelo colar, ainda rolou um quase enforcamento com a coleira. Eu tentei muitos modelos e acabei te deixando o mais solta possível, com algumas derrotas para o carcinoma, porque você descobria novos jeitos de se libertar. Ninguém aproveitou tanto o terreno da nossa casa nova, aqui em Araçoiaba da Serra — o resto da gangue precisou se contentar com o gatil. Eu via seu colarzinho espetado no gramado, ao longe, e te chamava de girassol, lembra?


A primeira bicheira não demorou a nos aterrorizar. E tirei tantos ovos da sua cabeça depois dela que não sei de que jeito a segunda conseguiu evoluir. Você só desistiu dos passeios há quatro semanas, quando ficou cega de vez — o olho direito o carcinoma já tinha roubado no início da nossa gestação ao contrário. Como sobraram os insetos, criei as coleções "primavera-verão" e "outono-inverno". Várias vezes por dia alternava a "cobertura" entre o lençol e o edredom. Sempre com o Mercv colado — eu sei que sua paixão era o Simba, mas ele aceitou o segundo lugar com elegância.


Seus irmãos se afastaram porque seu cheiro mudou. Ele não se importava. E, quando eu limpava seu rosto com o paninho úmido quente, precisava tirar pus e sangue do pelo do coitado.


Me desculpa por ter gritado na noite em que você fez xixi na coberta? Era desespero de te deixar com frio. E, enquanto a máquina de lavar trabalhava, eu esquentava o lençol com secador, na esperança de me redimir. Bateu 2ºC naquela manhã — não esqueço porque esfreguei o colar no tanque com os dedos adormecidos.


Tentei colocar alarmes a cada duas horas para te levar ao banheiro. E fomos bem até o dia da diarreia. Eu só tinha experiência com fralda + gato paraplégico e fralda + bebê humano sem garras. Não foi fácil. Insistia só para te ver devorar feliz a xicrinha de patê. Esse era nosso acordo: aproveitar a comida, o sol no jardim, ainda que no colo, o carinho.


Anteontem você não conseguiu. Parece que o carcinoma chegou na mandíbula e a gente quebrou o galho com a pipeta, depois ficou só na água e ontem não desceu mais nada. Você miou sofrido quando sentei no gramado, dando a entender que preferia voltar. E nunca mais ronronou. Eu procurei um veterinário para te ajudar a descansar, mas quis dar a chance de ir sozinha primeiro. 24 horas, muitas lágrimas, meia oração, porque também não sou boa com protocolos.

Ajeitei seus 2,35 kg (de 6!) no meu quarto, aquele que ninguém entra porque sou uma gateira alérgica a gatos. Acordei nas três vezes em que você engasgou, botei no colo, arremessei o colar — você não precisava mais. Quando amanheceu, te trouxe para o sol e Mercv tratou de reassumir seu posto:


Foram dez minutos. Você gritou, eu te embalei e nublou.

Amanhã, quando abrir a janela do quarto, você será girassol.


*

Antes de morrer, sonhei que Clara tentava por três vezes, bem baixinho porque estava fraca, me dar um recado: "Se desesperar... Se desesperar... Se desesperar... pega uma bandeira e coloca no altar". Foram 12 dias quebrando a cabeça até me tocar que bandeiras representam coletivos — ordens religiosas, templárias, torcidas de futebol, brasões familiares.

E, quando pedi, a ajuda veio. Minha mãe e meu pai em sonho também, Tati Spinelli com um reiki que só fiquei sabendo depois (estrelado por Santa Clara e Pachamama!), Amanda Herrera perguntando se estava tudo bem, Mari Levischi mandando um vídeo sobre o tempo das coisas que importam. E Rose Hacklaender com a intermediação para a eutanásia desnecessária.

Eu não teria conseguido cuidar da Clara assim, aliás, se trabalhasse fora. Devo esse privilégio aos apoiadores do Gatoca, que me acolheram emocionalmente muitas vezes também. Ao Edu e à Maru, veterinários que viraram amigos, vieram ao interiorrr para consultar a retalhinha e responderam inúmeras mensagens fora do horário comercial. E à Mônica Campiteli, que nos socorreu no episódio da bicheira, uma das coisas mais desafiadoras que encarei na vida.

No final dessa gestação ao contrário, precisei apelar às drogas. E voltei para o corticoide, depois de cinco anos limpa e uma madrugada sufocando no hospital. Dr. Vagner passou semanas me acompanhando a distância, por texto e videoconferência, até desistir de cobrar pelas consultas — que loteria nenhuma no mundo pagaria, na verdade.

E, em todos esses momentos, cá estava ele: Leo Eichinger, o Mercvrivs que Chicão mandou para mim. ❤️

9.6.21

Quando o X marca o tesouro

Guda é aquela gata que antecipa onde você vai sentar e se aboleta antes, impede a abertura da porta da geladeira em todas as refeições, pelo uma vez por dia faz alguém na casa tropeçar. Quando a vi centralizada nesta sombra, dei risada. Há 14 anos, Capitã Barriga confiou em Gatoca para esconder seus tesouros. E acabou virando o meu.

20.5.21

Guardiãs felinas

Dizem que gatos nos protegem de energias negativas, tipo ódio, tristeza e angústia. Como o clima por aqui está pesado, sem perspectiva de impeachment, os bigodes resolveram redirecionar suas carreiras: Guda assumiu a função de guardiã da luz.



Pufosa, da burocracia.


E Pipoca, da reciclagem.

26.3.21

Cantinho da reflexão

Jujuba afiou as garras no sofá, que fica ao lado do arranhador. Keka se pôs a babar as seringadas de água, depois de quatro anos e meio. Pimenta assassinou uma dúzia de insetinhos na última semana. Guda fez xixi na cozinha. Mercvrivs ganhou petisco extra para encarar a gangue e aumentar o constrangimento. Quatro gatas ainda não acordaram.


*

Em abril tem série nova! ❤️ Todo mês, o Gatoca publicará dicas e curiosidades da bíblia "O Encantador de Gatos", escrita pelos especialistas em comportamento Jackson Galaxy e Mikel Delgado, com fotos e vídeos da gangue para ilustrar. Se quiser ser avisado, é só assinar nosso boletim ou entrar no canal do Telegram.

11.3.21

Pimenta à milanesa: receita felina

Ingredientes

- 1 banheiro para gato, tamanho grande
- 1 esponja de limpeza
- Detergente líquido a gosto
- 1 saco de granulado higiênico
- 1 gata bem peluda

Modo de preparo

Lave o banheiro usando a esponja e o detergente. Adicione todo o granulado higiênico, tomando o cuidado de distribuir uniformemente no recipiente. Leve ao quintal e espere a gata mais peluda da casa se pôr a rolar.



*

Em abril tem série nova! ❤️ Todo mês, o Gatoca publicará dicas e curiosidades da bíblia "O Encantador de Gatos", escrita pelos especialistas em comportamento Jackson Galaxy e Mikel Delgado, com fotos e vídeos da gangue para ilustrar. Se quiser ser avisado, é só assinar nosso boletim ou entrar no canal do Telegram.

21.1.21

2020

Eu comecei 2020 sem entender como as pessoas podiam reclamar de trabalhar em casa. Quinze anos de home office depois, a quarentena de coronavírus não fazia cócegas — exceto pelas finanças, já combalidas. E nunca produzi tanto! Leo e eu arriscamos nossa releitura de pinturas famosas, escrevi uma crônica para a antologia "Depois da Quarentena", da badalada Rosana Rios, dei uma oficina sobre financiamento coletivo no #EmCasaComSesc (1 e 2).

Também fiz curso de latim com o ex, de marketing digital para escritores, entrei num grupo de estudos de mídias lúdicas, criei o tão adiado perfil no LinkedIn (para nunca mais usar, rs) e o primeiro dominó de gatos do mundo. Ainda arrumei tempo para ler duas dezenas de livros — incluindo os clássicos de Dostoiévski, Saramago, Stevenson, Edgar Allan Poe, Júlio Verne, Virginia Woolf, Umberto Eco e Frances Hodgson Burnett.

Aí, a bad adiada bateu de um jeito, meus amigos, que passei dias repetindo o mantra: "Odeio minha vida", enquanto lutava com a papelada de um processo jurídico virtual e o estresse de um processo de mudança física, perdendo quilos como quem perde fivelas de cabelo. Acreditem: eu não queria passar as festas de fim de ano ao meu lado — mas Leo resistiu bravamente. rs

Esta retrospectiva fala, portanto, de limites. E como nunca é tarde para acolher nossas fragilidades. Por isso, inclusive, ela está saindo em 2021, não no pavoroso 2020. Não dei conta, admito — não tinha vontade de escrever, não conseguia olhar a história do Gatoca com o coração cheio e, pela primeira vez em 13 anos e meio, não me forcei.

Falta muita coisa para desenroscar ainda. Mas ganhei uma energia extra com a trégua do inferno astral, no dia 6 — continuo amando fazer aniversário! E nossa resistência precisa ser comemorada, né? Foram 76 posts, 25 a menos do que em 2019, só que com textos mais longos, focando esforços na missão de despiorar o mundo — que desceu mais um círculo de Dante com a pandemia.

Conscientizamos sobre a crueldade dos zoológicos e mostramos na prática como se faz um trabalho sério num santuário de animais. Criticamos os incêndios na Austrália e nos posicionamos politicamente aqui no Brasil — participando de uma live com o Raul Marcelo, candidato a prefeito de Sorocaba, para desenhar um plano de governo efetivo e factível para os animais, e sabatinando duas candidatas a vereadoras da causa, a Luli Sarraf e a Manu Barros.

Salvamos uma rolinha, ajudamos a Nina a voltar para casa, divulgamos para adoção um pretolino cego e FIV+ (1 e 2), e um tigrinho paraplégico — sem sucesso ainda, mas não desistimos! Incentivamos a aquecer os peludos que vivem nas ruas. Durante 12 meses, nos oferecemos como espaço de informação, entretenimento e, principalmente, acolhimento.

Teve post sobre síndrome de pica, bebedouro para gato que não toma água, tipos de soro, ração úmida barata para renal, alimentação de emergência, diarreia, coronavírus felino, como separar ração de dietas diferentes, recuperar bicho perdido, denunciar veterinários criminosos, estimar a idade do pet, fazê-lo amar a caixa de transporte, diminuir o desconforto do colar elisabetano — e se a versão de tecido vale a pena.

Também investi na descontração publicando a série Vida com Gatos, alguns relatos de quarentena, uma coletânea de vídeos queridos do Gatoca, o teste separa-famílias, um desafio musical, os bigodes Toy Story, a disputada cadeira à trois, uma enquete natalina usando frases dos peludos de vocês. E espalhei fofura com Mercv, o quadrúpede mais figura do universo, a visita ao primeiro cat café do Brasil, o primeiro ronrom da Jujuba (13 anos depois!), um coração felino de Dia dos Namorados, outra ressurreição da Pipoca.

Não faltou piripaque, aliás: o carnaval foi de cinzas, Dr. Eduardo Carneiro veio de São Paulo atender os bigodes no pacotão, Chocolate teve um fungo básico, o carcinoma da Clara entrou em estágio avançado, a morte do Simba por falência renal completou quatro anos. Depois de chorar no chuveiro (aquele choro do A-ha, sabem?) e xingar o além, eu transformava tudo em serviço para ajudar outros tutores.

E vocês retribuíram apoiando o projeto por mais um ano — teve Gramado da Fama em janeiro, fevereiro, março, maio e setembro, uma vitória em tempos de crise! Se algumas pessoas precisaram cancelar a assinatura do Catarse, outras reativaram ou aumentaram o valor de contribuição. E Gatoca foi parar até na Maratona Marketing de Gentileza.

Fiz questão de agradecer criando um canal no Telegram e o Cluboca, nosso grupo de WhatsApp para estreitar laços, onde compartilho a epopeia da busca pela casóca nova e as superproducinhas em vídeo, exclusivas para apoiadores — em dezembro rolou até amigo secreto de talentos! Também disparei 52 boletins com infos de bastidores — para receber é só preencher o formulário vapt-vupt.

E continuamos celebrando a vida! Desta jornalista, da Chocolate, da Clara, da Guda, das Gudinhas, do Mercvrivs — e da adoção dele. Os 13 anos de projeto, com videoconferência. E as parcerias — Pet Delícia me salvou da falência mais uma vez com o patê das seringadas da Pipoca e da retalhinha. Este ano não teve aniversário de adoção da Pandora, mas ela apareceu em sonho exatamente no dia 17 de janeiro!

Nos próximos 12 meses, espero tirar do papel a série ilustrada pelos bigodes sobre o livro "O Encantador de Gatos", escrito pelos especialistas em comportamento felino Jackson Galaxy e Mikel Delgado — falta pouco para bater a meta! Mas também torço para que a gente consiga se permitir momentos de ócio. Aquele dos velhos tempos mesmo, com preguiça em vez de criatividade.


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2.12.20

Amor em preto e branco

Há 15 anos, Mercv* chegava em casa só bigodes, não deixando um bibelô da prateleira da vida em pé — logo ele, o gato baiano! E tem sido a jornada PB mais colorida (e emocionante) da história. ❤️


*Novelinha: Conheça a história do Mercv

31.7.20

Cadeira à trois

O ser humano se acha tão esperto acumulando dinheiro e fazendo guerra para acumular mais dinheiro, mas quem vive plenamente são os gatos. Eles transformam papel amassado em brinquedo, não reclamam de almoçar sempre a mesma coisa e, quando esfria, tratam logo de improvisar uma cadeira à trois.


O conteúdo do Gatoca é financiado por gente que acredita que o mundo pode ser melhor. Quer fazer parte da transformação? www.catarse.me/apoiegatoca