Para quem nunca havia tido um animal de estimação na vida, era deveras estranho observar o Mercvrivs se mexendo sozinho pela casa, cheio de vontades próprias. E sem pilha! Quando a gente voltava estressado da rua, dava de cara com seus bigodes gigantes e o mau humor derretia feito manteiga. A bolinha de pêlo não miava, quase não comia, brincava menos ainda.
"Você nem vai perceber que ele existe",
Eduardo chegou a argumentar para me convencer sobre a adoção. Perdi a conta de quantas vezes gritei com o gênio ao telefone, enquanto corria atrás do filhote, tentando limpar os rastros descontrolados de diarréia. Até que, desconfiada da prescrição de vitaminas da veterinária aqui do bairro, decidi levar o pequeno à clínica de Utinga, onde os felinos da família Perez se consultavam há mais de dez anos.
Anemia, infecção e virose compunham o diagnóstico do frajolinha, que eu mal conhecia e já roubara uma lágrima do meu estoque de lubrificação ocular em público. Frágil daquele jeito, só um milagre conseguiria reverter a situação. Comprei a gôndola inteira de Gatorades da padaria e, nos dias seguintes, aprendi o significado de ter o tal coração fora do corpo, que bate cada segundo em sintonia ao seu.
Mercv, por sua vez, descobriu o prazer de surfar em nossos chinelos, de fazer bagunça de madrugada, de lamber pasta de dente, de afiar as garras na CPU, de beber água com sabonete, de escalar nossas pernas nuas, de
estraçalhar o ratinho de gatária, de urinar no pufe da sala, de dormir esparramado no meu colo, de picar papel higiênico, de se lambuzar de mamão, de dançar mambo.
*
continua*
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