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13.3.15

Mutirão de castração é para os fortes

Você planeja cada detalhe (1, 2 e 3), pede ajuda para deus-e-todo-mundo, acorda de madrugada com ideias precisadas de papel, faz o namorado ir à 25 de Março comprar pulseirinha de identificação. Mas, só na hora em que se depara com a praça da comunidade cheia de famílias e cães e gatos (domingo, às sete da manhã!), é que tem a dimensão da complexidade da coisa.


E não estou falando de preencher a agenda de cirurgia com os dados dos animais por ordem de chegada (respeitando a divisão entre bigodes e focinhos), prender as pulseirinhas na pata dianteira direita, tirar as dúvidas dos tutores, responder as mensagens da veterinária, colocar todo mundo nas caixas de transporte (mesmo os rosnadores), ajeitar nos quatro carros disponíveis e no caminhãozinho do Luis, dirigir até a clínica.









Ou de operar dezenas de bichos no mesmo dia.


Dr. Rodrigo e Dr.ª Ana Lúcia pilotando as tesourinhas, Adriana e Leda no suporte



Centro cirúrgico



Antes e depois



Técnica minimamente invasiva



Cuidado

Nem de forrar as caixas com tapete higiênico no pós-cirúrgico, separar a quantidade certa de remédio (segunda dose do vermífugo e antibiótico) para cada paciente, escrever mil cópias das instruções, ajeitar todo mundo nos carros e no caminhãozinho de novo, dirigir de volta a São Bernardo, entregar os peludos às famílias, enfatizando as recomendações veterinárias, acompanhar vários deles até suas casas.





Havia 11 voluntários para me ajudar nisso ― obrigada, Leo Eichinger, Mariana Levischi, Denise Granja, Fernando Paulino, Rosa Yukari, Casé Nagot, Tati Pagamisse, xará do Leo, Sheila Santos, Luis e irmã fofa! Obrigada, também, Carol Toledo, Paula Ramos, Amanda Herrera, Fernanda Dias, Dani Xavier e Bruno Fernando, pelo empréstimo das caixas. (Bruno tem um pet táxi que eu recomendo de olhos fechados, gente!)

Quando escrevo "complexidade da coisa", me refiro aos acontecimentos que fogem do nosso controle, como as desistências sem satisfação, a sialata que não estava em jejum e quase sufocou com o próprio vômito, as duas gatinhas em início de gestação que perderam os bebês, o cachorro com testículo ectópico (fora do lugar).


No percurso até Santo André, um dos meus passageiros deu uma de Houdini e fez xixi no carro inteiro.


E o feito virou piada comparado à notícia estarrecedora de que um dos cães do caminhãozinho havia estourado a caixa de transporte e desaparecido bairro adentro. Foram mais de sete horas de buscas ininterruptas, o mamão das 6h vencido no estômago, um par de pernas que mandaram lembranças o resto do mês. Em vão.




Às 16h, com os animais operados precisando retornar à comunidade, a gente resolveu pedir socorro à Jane ― nunca mais vou esquecer os olhos afogados da Emily, sua filha adolescente. E outras cinco horas de via-sacra motorizada e a pé por Santo André se sucederam. Não sobrou uma viela por onde nós não tivéssemos passado. Um morador que não tivesse ouvido o assobio da Jane. Um segurança do entorno do terreno onde Napoleão foi visto algumas vezes sem nosso telefone.

Perto das 22h, derrotados, um motoqueiro bateu no meu carro. Ainda faltou contar do Enzo, o poodlelata que passou a tarde no soro, por causa de uma crise de convulsão. Dr.ª Ana Lúcia cobrou apenas a aplicação do remédio, deu uma caixinha à família e insistiu que ele voltasse para investigarem a causa das convulsões, com desconto-vaquinha-o-que-precisasse. Deitei vazia.


Às 4h30, o celular me pegou acordada. Como faltam palavras no dicionário para descrever reencontros desacreditados, preferi filmar.


Napoleão foi adotado pelas meninas filhote, quando sua tutora, idosa, faleceu. Já tinha escapado uma vez e, aos 3 anos, só aceita as duas ― provavelmente, morreria na rua. Sem paciência com as marcações de território, o avô vive ameaçando doá-lo. A castração coroará o final feliz, assim que o fujão se recuperar do susto. :)






Enzo não sobreviveu. Liguei para a dona Maria Marinês na sexta, depois de passar a semana em curso, acordando às 6h e indo dormir às 24h, e fiquei sem reação, segurando o aparelho no ouvido. Como os exames cardíacos não acusaram nada, restou a suspeita de problema neurológico. E ela não me deixou ajudar com a conta do hospital. "Eu trabalho, meu marido trabalha, tenho uma filha professora, outra designer. Cada um pagou um pouquinho".

Percebendo meu silêncio constrangido, emendou: "As coisas acontecem na hora que têm de acontecer. O mutirão não deu certo para o Enzo, mas beneficiou outros animais, não é?". Dez cachorros (duas fêmeas e oito machos) e 27 gatos (dez fêmeas e 17 machos). Fora a segunda leva, que não pôde ser operada agora. "Então, não desanime. E venha aqui em casa, um dia desses, para tomar um café".

Nas madrugadas seguintes, quando o coração apertava, eu relia a mensagem da Ana Carolina, tutora da Ágatha:


E lembrava do sorriso das famílias na pracinha, recebendo seus amigos quadrúpedes.




Mutirão de castração é, definitivamente, para os fortes.


Leiam também:

:: Panfletagem por uma causa nobre
:: Inscrição em três etapas - parte 1
:: Inscrição em três etapas - partes 2 e 3
:: Protetor é quem cuida
:: Se há uma chance, Gatoca é a favor
:: Da favela para Hollywood!
:: Mutirão de castração é para os fortes - parte 2
:: O primeiro de nove!
:: Sementes
:: Adoção platônica
:: Adoção Gremlin
:: Quase famosos
:: Ossos e um coração partidos
:: Felicidade que nunca chega
:: Descanso merecido
:: Para bater recordes de bilheteria!
:: A arte de enxugar gelo
:: Quando a coisa fica preta
:: Desfecho frustrante
:: Refilmagem
:: Os últimos de nove
:: Favela com emoção
:: Conscientização: o trabalho por trás dos holofotes
:: Ossos e um coração colados
:: NeverEnding Story
:: De Hollywood para o Japão
:: De Hollywood para os palcos
:: Halloween da sorte 2015
:: De Richard Gere para os braços do Pepê
:: Black Friday fracassada

9.3.15

Das coisas que não cabem na carteira

Esta história não tem nada a ver com o mutirão de castração no DER. Mas me estraçalhou ontem à noite e precisa de ressignificação. Na penumbra da Avenida do Estado, um cachorro preto andava desorientado entre as pistas. Leo parou o carro, outros dois motoristas também e a imagem do segundo cachorro preto, deitado no asfalto, gritou aos olhos.

Um moço de roupas sujas recolheu-o desajeitadamente e colocou na calçada. Não ia socorrer. Desci pronta para passar a madrugada no hospital. Não tinha o que socorrer. Atropelado por dois veículos na sequência, o animal morreu na hora. Era fêmea, seis meses recém-completados na família de carroceiros e pouca intimidade com a rua.

"Eu bobeei", o moço se martirizava, enquanto a esposa chorava e a criança perguntava se a amiga nunca mais acordaria. "Adotei pequena, ela não desgrudava da gente, eu bobeei", repetia com as mãos na cabeça. Não sei os nomes de ninguém, não fotografei, só sentia muito. Mais ainda pelas pessoas que roubaram aqueles 180 dias de afeto e sequer viraram para trás.

Desolada, a moça pediu ao marido que ajeitasse a cadela nos papelões, para levarem para outro cantinho ― foi essa palavra mesmo que ela usou. Eu só consegui perguntar se precisavam de algo. "Não, dona. Com a carroça, a gente vai vivendo. Não falta nada". O que faltava ninguém poderia repor.

Não cabe na carteira. Nunca caberá em um coração indiferente.

6.3.15

Protetor é quem cuida

Nas andanças pelo DER, sempre que eu cruzava com um animal castrado, citavam a moça da moto verde. Não foi fácil encontrar seu casebre, muito menos convencer a vizinha a passar seu número de celular. Mas o feeling jornalístico sabia que valeria a saliva. Quando ela contou que levava a bicharada no Centro de Controle de Zoonoses, eu automaticamente supus que trabalhasse lá. Sorte que, diferente dos roteiros de Hollywood, a realidade ainda nos surpreende.


Cida, 52 anos, dois cães e 14 gatos (vários deficientes), é diarista. Ajuda os animais da comunidade há uma década, primeiro pagando as cirurgias do próprio bolso, dívida que ultrapassou os R$ 3 mil, depois com o apoio de protetoras ligadas ao CCZ, apresentadas pela patroa de longa data. No ano passado, sua atuação dedicada rendeu uma vaquinha gorda entre a mulherada para a ampliação do sobrado de janelas teladas.

― Esse amor pelos bichos veio dos seus pais?
― Pais? Eu fui garota de rua, menina. Levava os cachorros que se machucavam para o hospital de gente e convencia as enfermeiras a tratá-los.


P.S.: Para que Cida continue mudando o mundo, o Gatoca doará todos os vermífugos e antibióticos que sobraram do mutirão. :)

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5.3.15

Inscrição em três etapas - partes 2 e 3

A gente deveria cadastrar só cachorros machos, mais rápidos de castrar, para liberar espaço na clínica aos bichanos, maioria em número de inscrição, e uma panelinha não estressar a outra. Mas havia sobrado 19 vagas da epopeia de sábado e eu sou mole, vocês sabem. Na quarta-feira, liguei para a Ilma Teresa e a Ana Carolina, e voltei ao DER munida dos formulários e vermífugos.

Ilma levou a Cindy, de 7 anos, e o pacote família com recém-nascida, sobrinho e cunhada. Marli ajuda a cuidar da cadelinha da sogra, que tem Alzheimer e não a reconhece mais. E sofre todo dia para convencê-la a comer ração, porque suas refeições vinham da pizzaria. Carol chegou sozinha, para evitar o assédio à peluda no cio. Há dois anos, sua vizinha deixou na garagem uma caixa cheia de filhotes, para que pegassem feito saldão. Agatha sobrou porque era fêmea.


No fim de semana do carnaval, lá fui eu sambar pelas vielas da comunidade de novo. Cida, diarista-protetora que merece um post exclusivo, me acompanhou para quebrar a possível desconfiança do pessoal. E, como São Francisco deve ter se sensibilizado com nosso esforço, um morador passou a indicar outro, completando finalmente as 50 fichas.

Minha xará aparece na foto com o Branquinho, de 7 meses, porque os mais velhos vivem na rua. Pixano, de 4 anos, já foi envenenado três vezes. E Luki, de 1, caiu no esgoto e teve de ser resgatado pela casa da vizinha.


Maria Neusa resolveu mudar o visual e saiu da cabeleireira com o Neném, de 4 anos.


Desde pequeno, Lucas leva para o casebre da Maria Verônica os animais que encontra pelo caminho. Mel e Listrado, irmãozinhos de 8 meses, estavam na laje de uma amiga ― caminho não é só terrestre.


Desta pretolina, a gente não sabia nada. Só que era da dona Ermínia, a senhora responsável por superpopulacionar a comunidade com sua coleção de gatos não castrados e que se recusou a nos receber. Dona Cida topou abrigá-la durante o pré e o pós-operatório e eu ganhei um talho na mão tentando medicá-la.


Na prateleira de remédios da dona Maria José, não pode faltar antitóxico. Com o vidrinho milagroso, ela salvou Pixano e vários outros bichos de lá. O filho, coração de pudim igual, faltou à escola para buscar Bebê na casa da namorada, de ônibus, há sete anos.


Esta não é a melhor foto, mas me tira o sorriso mais gostoso. :)


Lembram da dona Ermínia? Antes de ir embora, eu arrisquei bater mais uma vez a sua porta. Disse que entendia o receio e mostrei os bigodes no celular. Mas quem a amoleceu foi Karolyne, a neta, que confessou não aguentar mais cuidar do Azulão machucado de briga. Pretinha entrou na lista também e só depois eu me toquei que se tratava da gata do talho na mão ― da segunda vez, ela tomou o vermífugo numa boa. rs

"E os oito animais restantes?", um leitor atento deve estar se perguntando. São cópias desta coisícula, que ainda não podem entrar na faca. Nós também castraremos as duas mamães, assim que terminar o período de amamentação, porque Gatoca é de humanas, não de exatas.



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Barba, bigode e cabelo!

Perdoem o horário, o texto telegráfico e os eventuais erros de português. Este post é para ser bonito. Há exatos cinco minutos, vesgos e exaustos, nós finalizamos a migração de quase oito anos de história do Gatoca para o layout novo. Leo Eichinger fez toda a arte e Jon Levischi programou cada pixel, pensando em tornar a leitura de vocês ainda mais fodástica.

Caiam de olhos! :*

3.3.15

Inscrição em três etapas - parte 1

A ideia era montar a mesinha vermelha dobrável na praça em frente à associação comunitária do DER, uma semana após a panfletagem, e preencher as 50 fichas dos tutores interessados em castrar seus bigodes e focinhos em duas horas. Mas não foi bem assim que aconteceu. Antes do dia 7 de fevereiro, aliás, teve muito telefonema e troca de e-mails.

Luli Sarraf emprestou todos os arquivos (formulário de inscrição, protocolo, agenda de cirurgias) usados nos mutirões do Celebridade Vira-Lata, que beneficiaram mais de 7 mil bichos nos últimos seis anos. Eu adequei ao Gatoca, mas, sem esses modelos, não saberia por onde começar. E na proteção animal, infelizmente, dividir é mais comum do que somar.


A Ceva doou uma caixa cheia de vermífugos Petzi e antibióticos Enropet, para que as famílias não tirassem das necessidades básicas o dinheiro dos remédios do pré e do pós-operatório. A gente também teria conseguido antipulgas e ração superpremium, se o prazo fosse maior ― as empresas brasileiras funcionam em tempo diferente dos jornalistas acostumados ao massacre da grande imprensa. rs


Rolou ainda um trabalho de sensibilização com os amigos/irmãos/namorado, porque eu precisava de apoio moral caso ninguém aparecesse. Ou aparecesse além do esperado. Leo Eichinger, Mari Levischi, Maira Bueno, Denise Granja, Fernando Paulino e Vitor Medina toparam torrar comigo sob o sol, pois São Francisco joga truco com São Pedro. E, às 10h, já havia fila na praça.




A cada tutor, nós perguntávamos seus dados e os do animal, pedíamos para assinar o termo de autorização da cirurgia, entregávamos o protocolo com a data e as informações sobre a vermifugação e o jejum. Os peludos eram pesados na hora, para receber a dosagem correspondente do medicamento.


Belinha, irmã do Belinho e paixão do pedreiro José Carlos, acompanhou o cadastramento desde o início, mas não chegou a se inscrever de fato porque, como muitos bichos da comunidade (para nossa surpresa), já era castrada ― com os machos, dizem que segue a prática medieval de prender o saco no portão e jogar sal para cicatrizar. Nós nos recusamos a apurar.




Bebê, e seus seis quilos de pura cabeça, ostentava na bochecha uma ferida purulenta de briga.


Já a Belinha gata, de 3 anos, chamava atenção pelo nariz patricinhamente rosado e a coleirinha antipulgas.


Teo, da Daiane, chegou e partiu sem colocar as patas no chão.


Nino, frajola de 2 anos, tem duas mães: dona Ana Maria e dona Julia.


Dona Benedita só tem o Nenê, um peludão amarelo que fugiu da fotografia. "Se ele morrer, vou ficar sozinha", repetia para a Denise na porta de casa, relutante em aceitar a operação ― alguns quadrúpedes a gente caçou pelo caminho.


Mateus, de 9 anos, e Natan, de 6 anos, fizeram questão de acompanhar o pai Romualdo. E contavam a história dos gatinhos com os olhos brilhando. Nina, de 4 meses, foi doada pela colega da professora de zumba da mãe. E Tom, de 7, encontrado na rua, assustado.




Dona Aldezita levou a Elizabete e o Miguel, representando os sete filhos e dez netos. Casada aos 15 anos, alargou o sorriso para dizer que o amor nunca acaba. E agora inclui Toby, bichano recém-juntado à família.


Pãozinho assalta a cozinha desde pequeno, hábito que virou nome. E sua inscrição no mutirão rendeu um caminhãozinho para ajudar no transporte dos animais até a clínica, em Santo André, por gratidão do Leo e da Sheila.


Cinco horas de plantão na praça e bateção de perna pela comunidade depois, ainda restavam 19 vagas.

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