Esta história não tem nada a ver com o mutirão de castração no DER. Mas me estraçalhou ontem à noite e precisa de ressignificação. Na penumbra da Avenida do Estado, um cachorro preto andava desorientado entre as pistas. Leo parou o carro, outros dois motoristas também e a imagem do segundo cachorro preto, deitado no asfalto, gritou aos olhos.
Um moço de roupas sujas recolheu-o desajeitadamente e colocou na calçada. Não ia socorrer. Desci pronta para passar a madrugada no hospital. Não tinha o que socorrer. Atropelado por dois veículos na sequência, o animal morreu na hora. Era fêmea, seis meses recém-completados na família de carroceiros e pouca intimidade com a rua.
"Eu bobeei", o moço se martirizava, enquanto a esposa chorava e a criança perguntava se a amiga nunca mais acordaria. "Adotei pequena, ela não desgrudava da gente, eu bobeei", repetia com as mãos na cabeça. Não sei os nomes de ninguém, não fotografei, só sentia muito. Mais ainda pelas pessoas que roubaram aqueles 180 dias de afeto e sequer viraram para trás.
Desolada, a moça pediu ao marido que ajeitasse a cadela nos papelões, para levarem para outro cantinho ― foi essa palavra mesmo que ela usou. Eu só consegui perguntar se precisavam de algo. "Não, dona. Com a carroça, a gente vai vivendo. Não falta nada". O que faltava ninguém poderia repor.
Não cabe na carteira. Nunca caberá em um coração indiferente.
3 comentários:
Q tristeza, que dor no coração
Sem palavras.
A educação precisa contemplar o respeito.
Só assim os seres que dirigem vão ter consciência da arma que loconovem.
Só assim pessoas que abandonam animais junto às estradas e ruas movimentadas entenderam que o que fazem é um crime que nenhuma religião o salvará. Triste.
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