O mundo é habitado por dois tipos de pessoas: as de bom senso, que acreditam que pombas
destroem edifícios históricos com seus dejetos orgânicos, e as insanas, que gastam R$ 60 no veterinário especializado em animais silvestres para salvá-las.
Dia 21 de janeiro, quando eu estacionei o carro no templo da tortura moderna conhecido como "academia de musculação", reparei logo na criatura de penas negras, dando voltas sobre si mesma. Como uma hora depois ela continuava ali, liguei para o
Eduardo, menino de infância curtida no campo, e constatei que não se tratava de comportamento padrão.
Tentei pegá-la com o caderno de veículos, oferecido pelo dono do lugar, mas o jornal fazia barulho e só aumentava a angústia da pobrezinha. Até que me senti obrigada a usar a blusa de pompom rosa, tão querida. Em uma manobra rápida, acomodei-a no braço esquerdo e, com o direito, rumei sem cinto de segurança para a clínica da Kennedy, que aceitara o corpinho endurecido da
Wally, ano passado. Eles não entendiam de aves, mas me indicaram a
Fauna e lá fomos nós, desajeitadamente.
Drª. Melissa diagnosticou cloaca prolapsada e explicou que ela provavelmente necrosaria em dois dias, levando à morte. A pomba precisava tomar injeções de antiinflamatório e antibiótico por três manhãs, além do soro, e manter-se aquecida. Se a hipótese de cuidar do ser alado junto a dez gatos parecia absurda, eu desisti de vez ao saber das
moscas-de-pombo, que impregnam os cabelos feito piolho. Já pensaram uma infestação em
Gatoca?
A alternativa seria entregá-la à Polícia Ambiental, que encaminharia o caso ao zoológico do
Parque Estoril. Mas será que alguém, além de mim, perderia tempo com uma praga urbana? Sorte que Amanda, a estagiária, rendeu-se aos meus lamentos e concordou em ficar responsável pela enferma durante o tratamento inicial, contanto que eu levasse a comida: quirela de milho, frutas, verduras escuras e arroz.

Não encontrei a tal quirela, comprei farinha de milho que só serviria para a avó da veterinária cozinhar um cuscuz, roubei maçãs da geladeira em vez de opções moles, mais propícias, mas acertei no arroz! A pomba (que acabou sem nome por conta da ausência de
dimorfismo sexual) pesava 320 gramas. Sua temperatura oscilava em torno de 42ºC. E, como qualquer animal de vida livre, ela podia colecionar bichinhos e transmitir doenças, nada, porém, exclusivo.
Sobreviveu à sutura com anestesia local e, depois de três dias, já sem moscas, pediram-me para continuar as compressas de arnica em casa: "Quem medica gatos, tira uma pombinha de letra", garantiu-me Drª. Melissa. Eu ajeitei a gaiola no banheiro do quarto dos fundos, devidamente blindado, preparei um pote de comida bem picadinha e fiquei com dó ao observar o pouco espaço que lhe restara.

Que mal haveria soltá-la em um cubículo um pouco maior?

Sim, eu ignorava completamente a falta de inteligência dos integrantes dessa espécie: a figura caminhava sobre o mamão como se nada existisse ali, derrubava água em si mesma, alagava as revistas, bicava as paredes, fazia cocô (mais fedido que dos dez bigodes juntos!) na escarola, na pia, na privada...
Sem contar que eu morria de medo dela ― tanto ou mais do que ela de mim. E, sempre que tentava segurá-la, era presenteada com a Dança da Pombinha, cujos passos laterais ligeiros acabavam sob o armário dos papéis higiênicos. Lia, a faxineira-anjo-da-guarda, ajudou-me com a primeira compressa e eu desencanei das outras.
No dia seguinte, feriado em São Paulo, Eduardo veio de Utinga até aqui para darmos o remédio da seringa oralmente. Eu mal toquei o êmbolo e a dose ultrapassou a prescrição veterinária. Ai!... Sábado, nem Mariana conseguiu pegá-la e a medicação teve de esperar até a noite, quando o namorado finalmente se livrara do trabalho. Para ser sincera, só no domingo nós cumprimos a meta de quatro compressas + remédio matinal.
Antes de partir, Eduardo ainda devolveu a arruaceira na gaiola, almejando facilitar a retirada dos pontos, na segunda-feira. Só que a infeliz capotou o recipiente de água e ficou toda espetada de frio, obrigando-me a ligar o aquecedor empoeirado (que a gente nunca usa porque gasta muita energia) a madrugada inteira!

Para melhorar, Drª. Melissa não poderia nos atender de manhã. Eu soltei a prisioneira novamente, esquecendo do remédio. Lia ofereceu seus préstimos como de costume, mas, dessa vez, caçou a bichinha pelas asas, fazendo-a gritar de dor e eu me contorcer de culpa.
Melhor me virar sozinha. Munida de toalha, eu parti para cima da fugitiva, dei um mau jeito absurdo na coluna (uma semana sem girar o tronco para a direita nem recolher coisas do chão!), mas consegui capturá-la. O martírio da limpeza do banheiro a cada duas horas estava chegando ao fim.
Drª Melissa desfez a costura de linha preta e bombardeou: a cloaca deveria ficar em observação por mais alguns dias. Se tornasse a prolapsar, restar-me-ia escolher entre a eutanásia e os R$ 450 da cirurgia. Eu respirei fundo e nós voltamos para casa. A pomba passava a maior parte do tempo escondida, recusando-se a comer. A gente tentou ovo cozido, pão integral, espinafre.
Quinta-feira (31.01), quando a chuva finalmente cessou e eu percebi que ela não saía do parapeito da janela, conferi a cloaca e decidi libertá-las. Tomei o cuidado, obviamente, de fazê-lo na rua da academia para evitar que elas reconhecessem o cativeiro e resolvessem aparecer para almoçar (ou serem almoçadas).
A pomba se livrou da toalha antes que eu pudesse preparar a máquina fotográfica, chacoalhou as plumas, contornou-me em despedida, abriu as asas e voou a perder de vista. Emocionada, eu depositei o resto da comida na calçada, caso ela sentisse fome mais tarde. Marombados e vizinhos olhavam-me com estranheza.