
A editora Pandorga ainda lançou uma coletânea de contos deles, junto com Arthur Conan Doyle, James Bowker, Norman Hinsdale Pitman e E. F. Benson, falando justamente sobre gatos ― e uma onça-preta. O encontro de discussão sobre Felinos e Macabros rolou no domingo que antecedeu o Dia das Bruxas, por isso as superproduções.
Cristina Barreto aproveitou para indicar o livro Mulheres e a Caça às Bruxas, da filósofa italiana Silvia Federici. E usamos como fio condutor a habilidade dos homens de fazerem homice, sugestão da Lorena da Fonseca.
Em O Gato Preto, Edgar Allan Poe (1809 - 1849) nos tortura com um narrador que passa de amante dos animais a assassino da própria esposa, culpando a "intemperança demoníaca" ― quando o sucessor do Plutão resolve se esfregar nele, todo ronronento, a gente quer sair gritando: "Corre, boy lixo!".
O escritor estadunidense é mestre em criar esses personagens que vão se perdendo na própria loucura, com um toque de sobrenatural, deixando o leitor angustiado até a última linha. Sua obra deu origem à ficção policial e contribuiu também para o desenvolvimento da ficção científica.
O próprio Poe teve uma morte misteriosa: encontrado delirando nas ruas de Baltimore, em 7 de outubro de 1849, faleceu quatro dias depois, aos 40 anos, sem a lucidez necessária para explicar como havia chegado àquele estado. As teorias incluem tentativa de suicídio, cólera, raiva, sífilis e até captura por agentes eleitorais.
Sua primeira biografia o retratava como um depravado, bêbado e louco, mas era assinada pelo rival, crítico e antologista Rufus Wilmot Griswold.
Gostou de Poe? O Coração Denunciador (ou delator, dependendo da tradução), tem essa mesma pegada e acaba de ser homenageado no seriado Dexter: Ressurreição, que eu também recomendo. Já as meninas indicaram A Queda da Casa de Usher, que deu uma roupagem contemporânea a outro clássico do autor.

Os Gatos de Ulthar, de H. P. Lovecraft (1890- 1937), conta a história de um velho camponês e sua esposa, que assassinavam os bichanos que ousassem se aproximar do casebre macabro. Quando uma caravana de "viajantes de pele escura" chega à cidade para ler a sorte no mercado e o peludo de Mene desaparece, ele se põe a horar em uma língua desconhecida, fazendo a gente vibrar com os besouros no final.
Apesar do orientalismo, bem-apontado pela Aline Silpe, foi uma grata surpresa para quem conhecia o mestre do horror cósmico por Nas Montanhas da Loucura, uma chatice que leva dez páginas para descrever o raio da montanha e usa termos tão tecnicamente incompreensíveis para criaturas que podem se tratar de polvos ou batatas.
O escritor estadunidense também não conta muito com minha simpatia. Sim, ele influenciou o thriller contemporâneo, inspirando Stephen King e Alan Moore, mas era racista, antissemita e xenofóbico, até mesmo para os EUA sob as leis Jim Crow, de segregação racial.
Em cartas pessoais, declarava sua simpatia por Hitler, pregava a supremacia da "raça ariana", fazia apologia ao linchamento de pessoas negras (lamentando o fim da escravidão) e manifestava repulsa à miscigenação. A bizarrice? Ele foi sustentado pela mulher, a designer de sucesso Sonia Greene, que era judia!

Arthur Conan Doyle (1859- 1930) escreve, em seu O Gato Brasileiro, sobre um solteirão falido, que passa os dias atirando em pombos e aceita o convite de um primo rico para visitar a mansão na Inglaterra onde coleciona animais estrangeiros, principalmente trazidos do Brasil.
Entre cervos, queixadas, papa-figos, tatus e bestas, está a onça-preta que dá título ao conto e, infelizmente, degustará apenas um deles. Concordo com a Vanessa Araújo que podia ter terminado cinco linhas antes, aliás.
O autor escocês foi influenciado por Poe e, com seu Sherlock Holmes, personagem inspirado em um professor da faculdade de medicina, revolucionou a literatura de mistério e detetive. O título de Sir, porém, não é tão honroso assim, devendo-se ao panfleto que Doyle redigiu para justificar a guerra do Reino Unido contra os colonos de origem francesa e holandesa na África do Sul.
Cego de espiritismo, depois de perder a primeira esposa, um dos filhos e o irmão, ele também bateu cabeça contra a ciência, perdendo a amizade com Houdini por se recusar a acreditar que seus feitos não passavam de ilusões e teve o livro As Aventuras de Sherlock Holmes proibido na União Soviética, em 1929, por suposto ocultismo.
Mas a gente perdoa porque, morrendo de ataque cardíaco aos 71 anos, o escritor disse como últimas palavras à esposa que ela era maravilhosa. Sem contar que minha adolescência sem Um Estudo em Vermelho não teria a menor graça.

O Gato Espectral, de James Bowker (1877-1943), se passa em Whittle-le-Woods, região densamente arborizada e selvagem, onde a comunidade decide construir uma igreja, que insiste em aparecer na cidade vizinha, sob os protestos do padre Ambrose. O troféu "homice" vai para os dois vigias, que, como vocês podem concluir, não valem por meio.
Sobre o autor britânico não consegui encontrar nada no Google, exceto a informação de que esse conto integra uma coletânea de histórias folclóricas escritas em 1878, sob o título de Goblin Tales of Lancashire (Contos de Goblins de Lancashire).

Em O Tigre que Aquiesce, Norman Hinsdale Pitman (1858-1917) faz um lenhador ser devorado na floresta, levando a mãe idosa a cobrar reparação na justiça. Do tigre. E sobra para o assistente bêbado e sonolento, que não estava prestando atenção na audiência, a tarefa de levar o felino ao tribunal.
Também não tem muita coisa sobre o poeta canadense na internet, além do fato de que ele trabalhou como professor na China e contribuiu para disseminar o folclore chinês aos falantes de inglês, escrevendo coletâneas de fábulas e lendas.

A Índia, de Bram Stoker (1847-1912), estraçalha nosso coração com um casal em lua de mel que convida um estranho para acompanhá-los ao Castelo de Nuremberg, na Alemanha, onde fica a Torre da Tortura, e o infeliz decide jogar uma pedra no filhotinho de gato que brincava com sua mãe, sob a justificativa de aumentar a diversão.
O irlandês que revolucionou o gênero de vampiros com um vilão imortal, o Conde Drácula, nunca visitou a Europa Oriental, onde se passa o romance, casou com a paquera do Oscar Wilde e morreu após vários derrames. Dizem que se inspirou em Carmilla, romance lésbico de Sheridan LeFanu, lançado em 1872, que também tem gato.

E. F. Benson (1867-1940) assina os dois últimos contos, respiros da coletânea, porque parecem mais crônicas de gateiro do que histórias de suspense e mistério. Em A Gatinha, ele diz que "nenhum tipo de persuasão fará um gato desviar um milímetro sequer do curso que planeja seguir. Eles nos utilizam e, se os satisfizermos, até podem chegar ao ponto de nos adotar".

Já em E Assim Surgiu um Rei, a convivência com os bichanos é descrita como formas de governo: primeiro republicano, com gatos trabalhadores, que se sentavam em frente a buracos de ratos por horas a fio, passando então por dois meses de anarquia sombria, sem presidente ou qualquer governante, e culminando na monarquia de Cyrus, após uma revolução pacífica, já que o filhote persa, descoordenado e catarrento, chegara em uma cestinha de vime.
A biografia do autor inglês também contraria a linha editorial dos colegas: Benson era homossexual, o que explica a sensibilidade para narrar o universo felino. Em suas obras, ele costuma destacar as peculiaridades e os rituais da classe média-alta vitoriana, usando a sátira afiada e o humor sutil para desmascarar as excentricidades e contradições.
Seu último livro, entregue à editora dez dias antes de morrer de câncer na garganta, foi uma autobiografia intitulada Edição Final ― como não querer ser amiga desse figura?

Eliane Clal definiu bem a experiência: "Péssima, maravilhosa, péssima". Um desafio para quem gosta de animais, com autores incontornáveis (apesar de suas homices), que brincam com as nossas emoções como gatinhos e seus novelos. Sorte nossa que tem cada vez mais mulheres se destacando nesse gênero.
No sábado anterior, inclusive, eu participei do bate-papo organizado pelo Sesc Sorocaba com a Nicole Annunciato e a Cláudia Lemes, finalista do Jabuti, que em algum momento estreará no nosso clube.

Terror e suspense: do clássico ao moderno
Ao final do encontro, para manter o clima, a câmera do laptop morreu, minha imagem congelou roxa e a foto de um frajola misterioso entrou na chamada, rendendo à Regina Haagen o troféu involuntário de assombração de videoconferência.
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Discussões anteriores
:: Vou te Receitar um Gato, da japonesa Syou Ishida
:: O Mestre e Margarida, do russo Mikhail Bulgakov
:: Um Homem Chamado Ove, do sueco Fredrik Backman
:: Um Gato entre os Pombos, da inglesa Agatha Christie
