Mês passado, Clara Luz fugiu de casa e apareceu dentro do telhado de um vizinho, na rua de trás. Como a curiosa entrou lá ninguém sabe, mas o fato é que ficou presa dois dias inteiros, até que consegui ouvir seus miados e (acompanhada da dona do lugar) indiquei-lhe um buraco no sótão onde poderia atravessar comprimindo a cabeça.
Durante as buscas da inconseqüente pelo bairro, meu sensor de bigodes em risco voltou a funcionar e dei de cara com um gatinho atropelado, bem mais magro, sujo e fedido que os esqueletinhos da dona Lourdes. Na verdade, eram dois. Mas o outro não resistiu e, após passar a madrugada sob os cuidados do sobrevivente, entregaram seu corpo ao lixeiro (!). Ele, que ainda se mexia, continuou jogado num canto: três dias arrastando-se em desespero, três dias sem comida, três dias urinando sobre si mesmo.
Tratei de pegar a caixa de transporte e uma latinha de Whiskas e, em meia hora, aportávamos na clínica utinguense. Dr. E. acolheu o pano de chão sem cobrar-me um centavo, disse que o entupiria de Royal Canin para a cirurgia de inserção dos pinos nos fêmures e dispensou-me.
Voltei na tarde seguinte, de máquina fotográfica em punho. O leãozinho se recusava a comer, iria para a sonda. Na sexta-feira, soube que a operação havia sido um sucesso e o apetite retornara, mas ele amanheceu morto. Culpa da desnutrição? De outro problema, desconhecido? Da demora no socorro? Não importava mais. Depois de uma eternidade estirado na calçada, sofrendo, assistiu a vida esvair-se entre as grades da gaiola veterinária, igualmente sozinho. E o máximo que consegui fazer foi dar-lhe umas colheradas de ração úmida.
No mesmo malfadado dia, encontrei também uma filhote parecida com a Clara, dois quarteirões para baixo de casa. Os moradores explicaram que se revezavam na tarefa de alimentá-la há cerca de 20 dias, quando chegara pele e osso, mas a cena da espevitada atravessando a rua na frente dos carros me fez pensar em arrumar-lhe uma família de comercial de margarina logo.
Levei comida para ajudar algumas vezes, acariciei outras tantas. Tirei fotos de ângulos variados, conversei com amigos, parentes, vizinhos. Lembrava dela sempre que chovia. Mas não podia trazer para cá, porque sabia que não doaria. Já aconteceu três vezes! Sequer um post de divulgação no Gatoca publiquei. Não adianta mais. Ela sumiu.
Smeagol, a ratinha que virou princesa, perdeu as orelhas na semana passada por causa do câncer de pele. Aos sete meses, tomou mais sol do que deveria, deu o azar de nascer num cortiço infestado de baratas e depender de uma senhora idosa, extremamente pobre. Na clínica da Drª. Angélica, sequer imagina como é ter um lar de verdade. Essa história ainda pode ganhar um desfecho de conto de fadas. Só depende de vocês.
P.S.: Satie, a outra gatinha branca resgatada, está passando pela mesma intervenção cirúrgica hoje. Assim meu coração não agüenta! :ó(
8 comentários:
Droga, Beatriz... Estou aqui, me acabando de chorar após ler seu post. De dó do que nem chegou a sobreviver para ser resgatado por vc, dó do que sofreu tanto para morrer já no vet, dó da que desapareceu sem ter chance de nada... De raiva de tanta gente que fecha os olhos, raiva de tantos que fazem ainda pior, e cometem inúmeras crueldades. Por fim, de impotência, por querer fazer tanto e não conseguir grande coisa. Minha casa já tem 8, não posso abrigar mais, tenho de cruzar os braços e rezar para que outras pessoas se comovam com estórias como a da D.Lourdes e dêem chance a algum bigode carente.
Daí eu olhava para a Brigitte (uma de minhas gatinhas que foi tirada da rua, não tinha nem dois meses ainda), que estava em frente ao monitor, gordinha e saudável. Ela percebeu que eu estava chorando, ronronava e se esfregava em mim... Como alguém pode desdenhar de um amor tão puro qto o destas criaturas?! Juro que, para mim, é inconcebível...
Enfins, escrevi apenas para te dar um "apoio moral", pois vi que vc ficou extremamente abalada com estes casos - como se já não bastassem os da D.Loudes, não é?! Vc fez o que podia, Beatriz, muito mais do que muita gente teria feito. Seu coração é enorme, e sei que, apesar de bastante machucado, ele ainda abrigará muitos e muitos bigodes que cruzarão seu caminho.
Beijo grande.
Por favor, fique uns dias sem sair de casa, peça delivery de tudo que precisar, leia um livro do Manoel de Barros, abra uma caixa de chocolates, ouça um cd da Loreena McKennit.
Denise
Tive um albininho (muito BEM tratado,porém rebelde) que precisou fazer essa cirurgia. Ele sempre tirava o bloqueador solar e acabou com feridas nas orelhas.
Melhoras à Smeagol.
Obrigada pelo "apoio moral", Gisele. Eu fiquei mesmo me sentindo péssima com a seqüência de perdas bigodísticas.
Denise, como você conseguiu acertar tantas paixões minhas de uma vez?! rs
Sol é mesmo perigoso para gatos branquinhos, Silvia.
Oi Bea!
Eu tenho duas gatas branquinhas e uma delas chegou a ter umas feridinhas nas orelhas por causa do sol. Passar protetor é complicado pq eles tiram em seguida. Vou te contar uma coisa que não tem comprovação científica mas que tem funcionado milagrosamente com as minhas: sabe aquele "cogumelo do sol"? Eu compro em pó, pego o equivalente a 1/3 de col.café e ponho umas gotinhas de água. A gataria AMA! Eles lambem a colherinha e ficam com cara de "quero mais"!
Nunca mais elas tiveram nada!
Fica aqui a dica!
Ah, e pelo menos a Smeagel teve a chance de tirar as orelhinhas! Ela se recuperar e ficar saudável é o que importa!
Cogumelo do Sol, Guiga? Aqui em casa os bigodes não tomam nem floral na água. :\
Algo tão dificil de se encontrar, alguém de belo coração e mente brilhante... geralmente essas duas qualidades andam separadas.
Sua histórias são maravilhosas, e até msm as tristes ganham um tom mais suave.
Que bom que estamos vivendo uma época em que se encontra com mto mais facilidades pessoas realmente BOAS quase que em cada esquina... é vendo isso que constatamos que o mundo está melhorando, de verdade!
Que vc sempre tenha toda a iluminação e bençãos do Pai!
Assim você me deixa sem graça, Patrícia. :)
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