Eu achava que andar de roupa furada e comprar duas
escovinhas importadas justamente para os meliantes que furaram as roupas me colocava no topo do
ranking da abnegação. Conversando no
Cluboca, porém, nosso grupo maravilhoso de
apoiadores, vi que tem gente que chega a gastar 80% do salário com gatos que resolveram envelhecer ao mesmo tempo.
E você, qual foi a última vez que escolheu algo para você? Quantos brinquedinhos passaram na frente, sumariamente trocados pela embalagem? Talvez um granulado higiênico que deixe o apertamento com menos cheiro de banheiro? Certamente uma comida mais balanceada do que a que seu corpo cansado dá conta de cozinhar depois de uma jornada estendida de trabalho.
Neste
fim de ciclo da gangue, tenho pensado muito sobre a vida que me trouxe até aqui e para onde gostaria de levá-la nos próximos anos ― nem tanto um destino, mais uma sensação, sabe? Dias sem sobressaltos, tempo para abraços presenciais, ludicidade. Na impossibilidade de um piquenique em Versalhes, comecei pelos livros: uma sequência de comédias românticas que beira a diabetes.
Pendurei a tapeçaria do Peru que ganhei da Amanda. Distribuí vidros com flores secas pela estante (alma gótica). Fotografo o nascer do sol sempre que as meninas me acordam
vomitando. E escrevi para a
Ana Roxo decidida a ter um original que ilustrasse a jornada do
Gatoca.
Ela aceitou a parceria e sem saber desenhou a tatuagem que, duas décadas atrás, idealizei como lembrete de que nem tudo se resumia à razão ― com um coração do lugar do gato, porque ainda achava que não gostava de gato. Aí Mercv chegou arrancando emoções na unha (essa
história vocês conhecem) e dispensou demais registros sobre a pele.
Acompanhando a aquarela, veio esta cartinha:
Fiquei muitos e muitos dias trabalhando em cima de tudo que eu sabia e de fotos do Mercvrivs, e a imagem da janela se abrindo pro sol entrar não saía da minha cabeça. Trabalhei no desenho digital, bastante tempo, achando tudo muito ruim, e sentindo que precisava caprichar, pelo Mercv (veja a intimidade) ter feito tudo o que ele fez, mesmo sem fazer muito nada, como os gatos fazem.
Depois de um tempo frustrada e não acessando o que eu realmente queria com aquilo, voltei pro analógico e peguei meu caderno de desenhos (em português chamam de sketchbook
), que é onde tenho os desenhos mais pessoais mesmo, coisas como estudos ou estados (de alma), e desisti de encontrar beleza pra ver se eu achava sentido em tudo que eu estava sentindo.
Quando meu cachorro Samuca morreu, estava no México. Desenhei o Samuca com asas muito coloridas, pra lidar com a dor, asas de alebrije
(procure saber). E foi a partir do desenho do Samuca que voltei a desenhar, comecei a estudar, saí de uma (ainda que leve) depressão por não estar no Brasil e não estar fazendo teatro (minha arte materna, tipo que nem língua materna). Samuca fez isso por mim e entendi que o Mercvrivs tinha que ter asas. Aí o resto foi.
Não sei se está à altura dele e do que ele fez, mas foi feito com muito amor e em meio a lágrimas e patinhas dos meus gatos (impressionante como eles gostam de tomar água de aquarela).
Obrigada por me deixar desenhar o Mercv. Obrigada Mercv pelo Gatoca (que é culpa sua). Obrigada, Beatriz, por não deixar aquele e mail ir pro Céu dos E-mails.
Também chorei. A vida é bela e doída e maluca e intensa, mas, acima de tudo, um sopro. Se você estiver precisando recomeçar, quiser eternizar um amor que partiu, presentear um gateiro querido ou só achar que uma parede branca sempre pode ficar mais colorida, manda um "oi" para Ana:
anaroxxo@gmail.com ― ela tem um livro infantil lindo, lindo em
financiamento coletivo e um canal, junto com a Tati Fadel, cheio de vídeos essenciais, como a
série sobre a culpa.
Ah! Os valores dependem do tamanho e da complexidade do desenho, 20% vem para o projeto poder explorar horizontes outros e leitores do
Gatoca ganham 10% de desconto até o fim de agosto, para comemorar nossos
17 anos de resistência.
Como prefiro dar dinheiro a quem empodera e ajuda a sonhar outros mundos, em vez de deixar bilionário mais rico, os algoritmos das redes sociais provavelmente reduzirão o alcance da nossa parceria. Empresta seus dedos para subverter o sistema? Qualquer comentário, curtida, compartilhamento já faz valer o empenho da Jujuba na sessão de fotos. 😂