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14.11.14

Despedida sem abraço

Cinco pessoas sabem o número do meu telefone fixo. Quando ele toca, o coração vem à boca. Hoje, a profecia se confirmou: meu avô morreu. Seu Domenico sempre foi um cara duro, de poucos afagos ― nós nem temos fotos juntos. Brigava com meu pai de voz grave, obrigava minha avó a cozinhar banquetes com ingredientes em promoção, ceava antes de todo mundo no Natal, trocava os canais da TV até não sobrar ninguém na sala.

Na única visita que me fez, ainda na casa antiga, contou, rodeado pelos bigodes, que seu avô serviu o gato da família no almoço e depois apareceu com a cabeça, para o horror das crianças. Sensibilidade não era seu forte. Quando chegou minha vez de retribuir, na UTI, de barba por fazer, ossos à mostra e sem o sorriso de resina, não o reconheci. A fortaleza impenetrável havia virado fragilidade. Não se mexia, não falava, respirava por fios, mas chorou assim que toquei seu peito.

Uma lágrima comprida, sem começo nem fim. Pedido de desculpas e vale-afeto. Para uma próxima vez.


Registro querido do primo Rafael Levi

4 comentários:

Clarissa disse...

Que Deus possa confortar seu coração e de sua família.

Andrea Sassaki disse...

Meus sentimentos, Bia!

Adrina disse...

É como você abraça alguém que não quer ser abraçado?

Beatriz Levischi disse...

Obrigada, meninas! :*